24.4.18

VIDAS - António Policarpo: A arte de trabalhar a cortiça

Tempos houve em que de Nisa saiam, todos os anos, pelo Verão, rumo aos montados do Ribatejo e do Alentejo Litoral (Alcácer do Sal e Santiago do Cacém) dezenas de homens, especializados numa difícil quão dura arte: a de tiradores de cortiça.
António da Graça Policarpo, 65 anos, nascido na "Vila" (freguesia de Nossa Senhora da Graça) é um desses homens para quem a cortiça não tem segredos, seja na escolha, na  tiragem ou até na forma como, em gestos vigorosos e precisos golpes da faca, a vai submetendo aos ditames da imaginação e criando obras de arte ou utensílios. Já lá vamos, a este ponto.
A história de vida de António Policarpo, é um pouco a de quase todos os nisenses que repartiram a sua existência activa entre a labuta no campo e a aventura em terras de França na busca de um futuro melhor. Deixemos que ele no-la conte, pelas suas palavras.
"Trabalhei sempre em cortiças e madeiras por conta de outro. Em 1966, quando fui para França, já comprava umas mãos cheias de arrobas de cortiça. Estive lá durante dez anos e depois voltei para Portugal e colectei-me nas Finanças como comprador de cortiça por conta própria. Andei nesta vida durante vinte anos, como comprador e tirador de cortiça, até que tive um acidente, caí de um sobreiro e fui obrigado a parar a actividade."
O acidente representou um duro golpe para António Policarpo. Habituado à vida do campo e a trabalhar com a cortiça, não desistiu e logo que as forças o permitiram começou a dedicar-se ao artesanato.
" Comecei há mais de 20 anos, com uma pequena exposição de algumas peças na Feira do Livro, na antiga Escola. Havia dezenas de livros e também algumas peças de artesanato em cortiça. As pessoas gostaram, as peças começaram  a ter saída e eu fui fazendo sempre novas peças, umas por encomenda, outras pela minha vontade. As primeiras que eu fiz - ainda hoje são as mais procuradas - foram couchos para as sopas de peixe. Tenho feito muitos. Vi uma revista e a partir daí fiz um barco com a bandeira francesa, que deixei em França. Comecei também a fazer canados (tarros) e a partir daí faço qualquer objecto."
Manusear a faca, afiada, para transformar a cortiça numa peça decorativa ou utensílio é uma tarefa que oferece algum perigo e requer muita atenção. Um pequeno descuido pode significar um corte profundo e uma lesão (ferida) para durar semanas ou meses a curar.
"As peças que mais faço são os canados. Mas há pouco fiz uma imagem do Santo António em cortiça e toda a gente me diz que está bem feito e para continuar. As peças que eu faço são vendidas a gente de fora, pessoas que vêm de longe à minha procura. As que eu vendo mais agora são os bancos de cortiça (tripeça) que vão para a zona de Coimbra.
"Quando tinha saúde era um homem rico na minha arte", confessa. "Tirei centenas de arrobas de cortiça sozinho".
Graças à beleza e inovação das peças que cria, António Policarpo não tem mãos a medir para responder aos convites para participar em Feiras de Artesanato que se realizam um pouco por todo o país, entre estas a FIL.
Chapéus, botas, couchos adegueiros, barril e tapetes, são algumas das peças e de utensílios que mostrou no Cine Teatro, por ocasião da visita do senhor Presidente da República. Imponente, majestoso, é o tronco com duas pernadas, em cortiça que retirou, há anos, da árvore, apenas com um rasgo feito pelo machado. É uma peça notável, pelo tamanho e que mostra a precisão do artista.
A sua casa, junto ao Bairro Luís de Camões é um autêntico museu da arte de bem trabalhar a cortiça. É lá que António Policarpo recebe quem procura um coucho, um canado (tarro) ou outra qualquer peça utilitária, ou tão somente, mostrar as peças feitas a partir de um dos mais característicos e emblemáticos produtos da nossa terra: a cortiça.
Mário Mendes in "Jornal de Nisa" -