13.9.17

MEMÓRIA: A peste bubónica no Porto em 1899 e as suas repercussões no concelho de Nisa

 Bubónica-1899-Porto Intervenção sanitária - Foto Aurélio Paz dos Reis
Em Agosto de 1899 um surto de peste bubónica assolou a cidade do Porto, causando 132 mortes entre a população. A notícia espalhou-se rapidamente e em Nisa, perante o receio de que a epidemia se espalhasse, o Administrador do Concelho tomou algumas providências, que constam dos documentos que publicamos e a que juntamos um comentário, no final, bem como a caracterização do surto epidémico.
Carta de 19/8/1899 do Administrador do Concelho ao Presidente da Câmara de Nisa
“ Sendo de receiar que a peste bubónica que actualmente grassa no Porto, se alastre pelo resto do paiz, e, fazendo Vª Exª parte da Comissão Sanitária d´este Concelho, a que allude o nº 3 da portaria de 11 de Julho de 1884, vou rogar a Vª Exª se digne comparecer na secretaria d´esta Administração pelas 11 horas do próximo dia 21, afim de se installar a referida Commissão.
Deus guarde a Vª Exª
O Administrador interino – José da Cruz Frade
(Foram enviados idênticas mensagens para o Sub-Delegado de Saúde e facultativos municipais)
Carta de 21/8/1899 ao Presidente da Junta de Parochia de Alpalhão
Tendo a Commissão Sanitária d´este concelho aconselhado a que se não permitta n´essa villa a permanência do gado suíno nos domicílios, bem como o seu dormitório, venho rogar a Vª Sª, antes que eu ponha em pratica aquella prohibição, se digne sem perda de tempo, de harmonia com o parágrafo único, do artigo 116 do Código de Posturas d´este Município, fazer reunir a Junta de Parochia da sua digna presidência, para deliberarem com urgência que se ponha em arrematação a guarda e pastoriação dos porcos da adua devendo esta ser paga pelos donos do gado suíno em pequenas quotas mensaes fixadas pela mesma junta. Espero que Vª Sª me communique quaes as deliberações tomadas pela Junta.
Deus guarde Vª Sª
A Administrador interino – José da Cruz Frade
Bubónica 1899 - Porto - Bombeiros desinfestando um caixão - Photo Guedes
Carta de 22/8/1899 ao Governador Civil
Conforme communiquei a Vª Exª em telegrama de 19 do corrente, installou-se hontem a Commissão Sanitária d´este concelho segundo o preceituado na parte III da Portaria de 11 de Julho de 1884, a qual guardando para ulterior sessão a investigação dos meios a seguir, no caso de n´elle apparecer a peste, suspeita ou confirmada, assentou logo nas seguintes medidas a tomar, tendentes a melhorar desde já a hygiene publica:
Que se dê cumprimento às seguintes disposições do Código de Posturas vigente, depois de avisados os munícipes de quando começa a applicação rigorosa das multas (artº 22º - art.º 27 (º2, 4 e 6) artº 29 e 30 e artº 34º.
Que a Camara Municipal mande proceder à limpeza, lavagem e caiação dos seus edifícios e que assim o precisarem, taes como: as das repartições publicas, a cadeia, o matadouro, açougue, escolas, etc., fazendo até as necessárias desinfecções, segundo as indicações dos facultativos municipaes.
Que a mesma faça cumprir as posturas relativas à politica do matadouro e açougue
Que mande proceder à limpeza das ruas, largos, viellas e caminhos vicinaes das povoações onde ordinariamente depositam immundicias fazendo removel-as para logar distante das habitações e da via publica e procedendo às beneficiações dos sítios immundos.
Que mande vir o desinfectante, sulfato de ferro e cloreto de cal para serem empregados nos logares e estabelecimentos públicos e mesmo nas habitações particulares que o necessitarem.
Que se convidem os habitantes a aceiar os seus prédios não esquecendo a caiação e devendo esta recommendação ser principalmente feita aos donos de hospedaria onde pela aglomeração de pessoas mais se torne necessária a boa hygiene.
Que depois se fiscalize por meio de visitas sanitárias o que fica prescripto.
Junto encontrará Vª Exª uma copia do Edital que hoje vae ser affixado nas freguesias d´este concelho; e para que elle tenha, cabal cumprimento torna-se indispensável que Vª Exª me mande para aqui 2 policias civis afim de auxiliarem a Commissão nas visitas sanitárias (que espero se façam do dia primeiro a 6 de Setembro) e applicação das respectivas multas.
Deus guarde Vª Exª
O Administrador interino – José da Cruz Frade
Bubónica - 1899 - Porto - Desinfestação de uma "Ilha" no Porto - Photo Guedes
Carta de 22/8/1899 ao Regedor de Alpalhão
A bem da saúde publica queira Vª Sª com o auxilio dos cabos de policia fazer intimar os ciganos que ahi costumam permanecer temporadas junto ao Alpendre de Sto António a que se retirem d´essa villa, sob pena de serem auctuados ou presos como desobedientes aos mandados da auctoridade.
Remetto um edital para o affixar no local mais publico d´essa villa. Vae também a licença para o bazar devendo Vª Sª entregal-a ao interessado e receber em troca 600 reis que enviara para esta Administração.
Deus guarde a Vª Sª
O Administrador interino – José da Cruz Frade
Carta de 11/9/1899 ao Governador Civil
Tendo terminado já em Alpalhão as visitas sanitárias aos domicílios para cumprimento das posturas municipaes e de outras medidas hygienicas, sem resistência algumas por parte dos respectivos moradores, como se vê do officio que por copia tenho a honra de remetter a Vª Exª e, como se encontra ainda alli a força militar, vou rogar a Vª Exª se digne ordenar o seu regresso ao corpo a que pertence. Sobre os fogos nada por enquanto pude descobrir.
Deus guarde a Vª Exª
O Administrador interino – José da Cruz Frade
Bubónica - 1899 - Porto- Bombeiros e higienistas após a desinfecção de casas
Alpalhão no centro de todas as preocupações
Este conjunto de documentos (cartas a entidades administrativas) emanados do Administrador do Concelho em Agosto/Setembro de 1899, a propósito do receio da propagação da peste bubónica é elucidativo sobre o “estilo” de administração pública vigente no final do século XIX e, sumariamente, mostramos a “linguagem” dos textos.
1 – Alpalhão surge no auge de todas as “preocupações”, não havendo referências, especificamente, a mais nenhuma localidade do concelho. O “medo” de que Alpalhão pudesse ser o principal foco disseminador da peste bubónica está patente, aliás, na carta de 21 de Agosto ao presidente da Junta de Parochia proibindo a existência de porcos nos domicílios, situação, aliás, que era comum a todas as localidades do concelho. Refira-se que esta “intimação” surge ainda antes da aprovação das medidas profilácticas por parte da Comissão Sanitária.
2 – A repressão (Código de Posturas, alusão a multas, intimidação com a presença de polícias civis) pode ser entendida de duas formas: uma, face ao grande analfabetismo da população, o respeito por crenças e tradições, relutância muito forte ao acatamento das ordens das autoridades; outra, a desconfiança de que, a pretexto da “peste”, se pretendesse acabar com tradicionais formas de economia rural e doméstica, entre esta, a engorda do bacorinho, vital para a sobrevivência dos agregados familiares. Sobre Alpalhão, talvez pelo número elevado destas “explorações”, recaiu a primeira e mais gravosa das medidas, não deixando, todavia, de configurar uma discriminação face às outras povoações do concelho. Refira-se que ainda na década de 40 e 50 do século passado, havia deliberações da Câmara sobre as pocilgas domésticas, nos quintais, adjacentes às habitações, ou seja, este modus vivendi não foi erradicado pela ameaça da peste bubónica.
3. Saliente-se, como nota positiva, a pronta intervenção das autoridades administrativas e sanitárias, pelo menos, a nível das intenções (medidas a tomar) não poupando esforços e meios financeiros, que eram escassos, para fazer face a um possível surto de peste. Talvez, por isso e face à escassez de meios monetários, a constante referência a multas.
4. Pouco mais se sabe sobre o surto de “peste bubónica”. Se o concelho de Nisa foi ou não flagelado por essa temível enfermidade. Sabe-se, no entanto, pela leitura da informação da época que, entre outros locais, a peste chegou ao Brasil e fez numerosas vítimas.
 A peste bubónica - O que é?
A peste bubónica  é uma doença pulmonar ou septicêmica, infectocontagiosa, provocada pela bactéria Yersinia pestis, que é transmitida ao homem pela pulga através do rato-preto. A pandemia mais conhecida da doença ocorreu no fim da Idade Média, ficando conhecida como peste negra, quando dizimou 1/3 da população europeia em 1347, epidemia esta que ocorreu do século XIV até o século XVII
Transmissão 
Rato-preto (Rattus rattus), a espécie de ratazana responsável pela disseminação da peste durante a Idade Média
A peste bubónica é uma doença primariamente de roedores: (ratos, ratazanas, coelhos, marmotas, esquilos). Espalha-se entre eles por contato direto ou pelas pulgas, e é-lhes frequentemente fatal.
A peste nos humanos é uma típica zoonose, causada pelo contato com roedores infectados. As pulgas dos roedores recolhem a bactéria do sangue dos animais infectados, e quando estes morrem, procuram novos hospedeiros. Entretanto a bactéria multiplica-se no intestino da pulga. Animais e seres humanos podem ser infectados, quando a pulga liberta bactérias na pele da vítima. A Y. pestis entra então na linfa através de feridas ou microabrasões na pele, como a da picada da pulga.
Outra forma de infecção é por inalação de gotas de líquido de espirros ou tosse de indivíduo doente.