Bubónica-1899-Porto Intervenção sanitária - Foto Aurélio Paz dos Reis
Carta de 19/8/1899 do Administrador do Concelho ao
Presidente da Câmara de Nisa
“ Sendo de receiar que a peste bubónica que actualmente
grassa no Porto, se alastre pelo resto do paiz, e, fazendo Vª Exª parte da
Comissão Sanitária d´este Concelho, a que allude o nº 3 da portaria de 11 de
Julho de 1884, vou rogar a Vª Exª se digne comparecer na secretaria d´esta
Administração pelas 11 horas do próximo dia 21, afim de se installar a referida
Commissão.
Deus guarde a Vª Exª
O Administrador interino – José da Cruz Frade
(Foram enviados idênticas mensagens para o Sub-Delegado de
Saúde e facultativos municipais)
Carta de 21/8/1899 ao Presidente da Junta de Parochia de
Alpalhão
Tendo a Commissão Sanitária d´este concelho aconselhado a
que se não permitta n´essa villa a permanência do gado suíno nos domicílios,
bem como o seu dormitório, venho rogar a Vª Sª, antes que eu ponha em pratica
aquella prohibição, se digne sem perda de tempo, de harmonia com o parágrafo único,
do artigo 116 do Código de Posturas d´este Município, fazer reunir a Junta de
Parochia da sua digna presidência, para deliberarem com urgência que se ponha
em arrematação a guarda e pastoriação dos porcos da adua devendo esta ser paga
pelos donos do gado suíno em pequenas quotas mensaes fixadas pela mesma junta. Espero
que Vª Sª me communique quaes as deliberações tomadas pela Junta.
Deus guarde Vª Sª
A Administrador interino – José da Cruz Frade
Bubónica 1899 - Porto - Bombeiros desinfestando um caixão - Photo Guedes
Carta de 22/8/1899 ao Governador Civil
Conforme communiquei a Vª Exª em telegrama de 19 do
corrente, installou-se hontem a Commissão Sanitária d´este concelho segundo o
preceituado na parte III da Portaria de 11 de Julho de 1884, a qual guardando para
ulterior sessão a investigação dos meios a seguir, no caso de n´elle apparecer
a peste, suspeita ou confirmada, assentou logo nas seguintes medidas a tomar,
tendentes a melhorar desde já a hygiene publica:
1º Que se dê cumprimento às seguintes disposições do Código de
Posturas vigente, depois de avisados os munícipes de quando começa a applicação
rigorosa das multas (artº 22º - art.º 27 (º2, 4 e 6) artº 29 e 30 e artº 34º.
2º Que a Camara Municipal mande proceder à limpeza, lavagem
e caiação dos seus edifícios e que assim o precisarem, taes como: as das repartições
publicas, a cadeia, o matadouro, açougue, escolas, etc., fazendo até as necessárias
desinfecções, segundo as indicações dos facultativos municipaes.
3º Que a mesma faça cumprir as posturas relativas à politica
do matadouro e açougue
4º Que mande proceder à limpeza das ruas, largos, viellas e
caminhos vicinaes das povoações onde ordinariamente depositam immundicias
fazendo removel-as para logar distante das habitações e da via publica e
procedendo às beneficiações dos sítios immundos.
5º Que mande vir o desinfectante, sulfato de ferro e cloreto
de cal para serem empregados nos logares e estabelecimentos públicos e mesmo
nas habitações particulares que o necessitarem.
6º Que se convidem os habitantes a aceiar os seus prédios não
esquecendo a caiação e devendo esta recommendação ser principalmente feita aos
donos de hospedaria onde pela aglomeração de pessoas mais se torne necessária a
boa hygiene.
7º Que depois se fiscalize por meio de visitas sanitárias o
que fica prescripto.
Junto encontrará Vª Exª uma copia do Edital que hoje vae ser
affixado nas freguesias d´este concelho; e para que elle tenha, cabal
cumprimento torna-se indispensável que Vª Exª me mande para aqui 2 policias
civis afim de auxiliarem a Commissão nas visitas sanitárias (que espero se
façam do dia primeiro a 6 de Setembro) e applicação das respectivas multas.
Deus guarde Vª Exª
O Administrador interino – José da Cruz Frade
Bubónica - 1899 - Porto - Desinfestação de uma "Ilha" no Porto - Photo Guedes
Carta de 22/8/1899 ao Regedor de Alpalhão
A bem da saúde publica queira Vª Sª com o auxilio dos cabos
de policia fazer intimar os ciganos que ahi costumam permanecer temporadas
junto ao Alpendre de Sto António a que se retirem d´essa villa, sob pena de
serem auctuados ou presos como desobedientes aos mandados da auctoridade.
Remetto um edital para o affixar no local mais publico d´essa
villa. Vae também a licença para o bazar devendo Vª Sª entregal-a ao
interessado e receber em troca 600 reis que enviara para esta Administração.
Deus guarde a Vª Sª
O Administrador interino – José da Cruz Frade
Carta de 11/9/1899 ao Governador Civil
Tendo terminado já em Alpalhão as visitas sanitárias aos domicílios
para cumprimento das posturas municipaes e de outras medidas hygienicas, sem resistência
algumas por parte dos respectivos moradores, como se vê do officio que por
copia tenho a honra de remetter a Vª Exª e, como se encontra ainda alli a força
militar, vou rogar a Vª Exª se digne ordenar o seu regresso ao corpo a que
pertence. Sobre os fogos nada por enquanto pude descobrir.
Deus guarde a Vª Exª
O Administrador interino – José da Cruz Frade
Bubónica - 1899 - Porto- Bombeiros e higienistas após a desinfecção de casas
Alpalhão no centro de todas as preocupações
Este conjunto de documentos (cartas a entidades
administrativas) emanados do Administrador do Concelho em Agosto/Setembro de 1899, a propósito do receio
da propagação da peste bubónica é elucidativo sobre o “estilo” de administração
pública vigente no final do século XIX e, sumariamente, mostramos a “linguagem”
dos textos.
1 – Alpalhão surge no auge de todas as “preocupações”, não
havendo referências, especificamente, a mais nenhuma localidade do concelho. O “medo”
de que Alpalhão pudesse ser o principal foco disseminador da peste bubónica está
patente, aliás, na carta de 21 de Agosto ao presidente da Junta de Parochia
proibindo a existência de porcos nos domicílios, situação, aliás, que era comum
a todas as localidades do concelho. Refira-se que esta “intimação” surge ainda
antes da aprovação das medidas profilácticas por parte da Comissão Sanitária.
2 – A repressão (Código de Posturas, alusão a multas,
intimidação com a presença de polícias civis) pode ser entendida de duas
formas: uma, face ao grande analfabetismo da população, o respeito por crenças
e tradições, relutância muito forte ao acatamento das ordens das autoridades;
outra, a desconfiança de que, a pretexto da “peste”, se pretendesse acabar com
tradicionais formas de economia rural e doméstica, entre esta, a engorda do
bacorinho, vital para a sobrevivência dos agregados familiares. Sobre Alpalhão,
talvez pelo número elevado destas “explorações”, recaiu a primeira e mais
gravosa das medidas, não deixando, todavia, de configurar uma discriminação
face às outras povoações do concelho. Refira-se que ainda na década de 40 e 50
do século passado, havia deliberações da Câmara sobre as pocilgas domésticas,
nos quintais, adjacentes às habitações, ou seja, este modus vivendi não foi
erradicado pela ameaça da peste bubónica.
3. Saliente-se, como nota positiva, a pronta intervenção das
autoridades administrativas e sanitárias, pelo menos, a nível das intenções
(medidas a tomar) não poupando esforços e meios financeiros, que eram escassos,
para fazer face a um possível surto de peste. Talvez, por isso e face à
escassez de meios monetários, a constante referência a multas.
4. Pouco mais se sabe sobre o surto de “peste bubónica”. Se
o concelho de Nisa foi ou não flagelado por essa temível enfermidade. Sabe-se,
no entanto, pela leitura da informação da época que, entre outros locais, a
peste chegou ao Brasil e fez numerosas vítimas.
A peste bubónica - O que é?
A peste bubónica é
uma doença pulmonar ou septicêmica, infectocontagiosa, provocada pela bactéria
Yersinia pestis, que é transmitida ao homem pela pulga através do rato-preto. A
pandemia mais conhecida da doença ocorreu no fim da Idade Média, ficando
conhecida como peste negra, quando dizimou 1/3 da população europeia em 1347,
epidemia esta que ocorreu do século XIV até o século XVII
Transmissão
Rato-preto (Rattus rattus), a espécie de ratazana
responsável pela disseminação da peste durante a Idade Média
A peste bubónica é uma doença primariamente de roedores:
(ratos, ratazanas, coelhos, marmotas, esquilos). Espalha-se entre eles por
contato direto ou pelas pulgas, e é-lhes frequentemente fatal.
A peste nos humanos é uma típica zoonose, causada pelo
contato com roedores infectados. As pulgas dos roedores recolhem a bactéria do
sangue dos animais infectados, e quando estes morrem, procuram novos
hospedeiros. Entretanto a bactéria multiplica-se no intestino da pulga. Animais
e seres humanos podem ser infectados, quando a pulga liberta bactérias na pele
da vítima. A Y. pestis entra então na linfa através de feridas ou microabrasões
na pele, como a da picada da pulga.
Outra forma de infecção é por inalação de gotas de líquido
de espirros ou tosse de indivíduo doente.