24.4.17

PORQUE É ABRIL: O Boletim da Idalina

Idalina é a presidente da Câmara de Nisa. Eleita em Setembro de 2013 com mais quatro candidatos. Destes, além de Idalina, só se conhece “oficiosa e oficialmente”, o vereador Cardoso, do mesmo partido. Só eles têm direito a participar em eventos do Município e, o que é mais estranho, a serem fotografados para os documentos, oficiais, oficiosos ou pessoais, do Município. Há quem jure, aliás, que as máquinas fotográficas da autarquia estão dotadas de um dispositivo tecnológico único, que não permite o registo de mais nenhum rosto a não ser de pessoas conotadas com o partido da roseira brava.
Só assim se explica que o Boletim de Propaganda da Idalina, pago pela Câmara Municipal, tenha 28 fotos da personagem principal (a Câmara de Nisa é um filme dos tenebrosos tempos do MacCartismo) em 48 páginas, e 13 da personagem secundária, para além de outros “intérpretes” não eleitos mas que zelam pela manutenção do clã familiar.
O Boletim, distribuído a granel e em profusão em vésperas do festival pimbólico, é um “monumento” à objectividade e transparência, como a Câmara apregoa. Tão transparente que a ficha técnica mal se vê e omite – talvez por esquecimento, nunca por intenção deliberada – o número de exemplares impressos, ou seja, qual a tiragem da edição. Mas foram muitos, tenho a certeza. De tal maneira que alguns foram atirados por cima das paredes dos quintais. Ai se os CTT descobrem esta forma inovadora e rentável de distribuírem a correspondência!

O conteúdo do livrinho de propaganda também é interessante e dava pano para mangas. O texto sobre a “Transparência municipal” que como sabemos não existe, ocupa quase meia página, mas a Tomada de Posição do executivo sobre a Central Nuclear de Almaraz tem direito a uma referência ligeira e, claro, em apoio do governo “rosa”.
A longa listagem sobre apoios concedidos bem como a das obras feitas é “digna” de um olhar atento. Podia ser ainda mais extensa, pois falta dizer quantas vezes foram limpas as casas de banho, quantos foram os telefonemas efectuados para influenciar este ou aquele concurso ou para saber se fulano ou beltrano dizem bem ou mal da presidente.
Quem é que pode dizer mal de personagem tão querida e importante? Só gente fora do seu juízo normal. Não é permitido nesta “nisadura” dizer o que quer que seja da Câmara e da sua presidente, nem sequer no facebook, onde o controleiro de serviço – qual padre no confessionário – escolhe as boas e más mensagens, como se estas fossem acções e pecados passíveis de condenação no inferno ou no purgatório. Expurgados, “limpos”, apagados, têm sido os meus comentários na página do facebook do município, criada, não para estabelecer contacto com (todos) os munícipes e ajudar a resolver situações, mas para fazer propaganda, quase exclusiva, do dia a dia de sua majestade, a presidente, como se estivéssemos numa monarquia local.
Voltamos ao Boletim da Idalina e apenas para comentar alguns aspectos e desmentir uma afirmação. A presidente continua dominada pelo fantasma do passado, um passado de que ela, queira ou não queira, fez parte, nomeadamente no último mandato, o tal das dívidas astronómicas que ela enquanto vereadora num executivo sem maioria absoluta ajudou a construir.

Refere e cito que “no ano de 2017 há mais investimento no concelho do que o somatório dos últimos 30 anos”. A este respeito, duas questões: Idalina fez parte de dois executivos, ou seja, oito anos de vereação. Podia ter dado uma ajuda, com as suas “mangas arregaçadas” para que o cenário não fosse tão “negro”. O que fez, então?
E por que fala em 30 anos e não em 40, pois são estes os anos do poder local democrático em Portugal? Porque os dois primeiros mandatos foram de maioria socialista (6 anos) e nestes não lhe convém falar, não é?
Quantos destes projectos de investimento não vieram do executivo anterior?
Já se esqueceu do “camarada candidato rosa” que prometeu não sei quantas empresas e empregos se ganhasse as eleições e a primeira coisa que fez, após os resultados eleitorais foi “dar de frosques”, nem se dignando assistir (sempre aprendia alguma coisa) a uma única sessão da Câmara, ocupando o lugar para que foi eleito?
E já agora, porque algumas questões legais e ambientais virão certamente a lume, os 60 milhões de euros que apregoa como investimento, quantos postos de trabalho irão criar?
E quantos de residentes no concelho? Não disse, no empolgado discurso de inauguração da Horticasa que era uma estrutura indispensável e que as pessoas tinham que ir a Portalegre ou Castelo Branco, quando, afinal, ali a dois passos, existe um espaço comercial, de jovens investidores da terra, que comercializa, basicamente, os mesmos produtos?
E que esse espaço comercial e lagar de azeite resultou da falência da Nisacoop? E que foram os sócios da extinta cooperativa Nisacoop que contribuíram, do seu próprio bolso, com importâncias significativas para a construção do lagar? Foram, porventura, ressarcidos das importâncias que pagaram? Como foi possível um processo de insolvência de natureza complexa e com tantos interesses em jogo, ser “resolvido” de forma tão rápida?
Dir-me-á que a Câmara está à margem das iniciativas “particulares” e desses problemas, pelo menos quando convém.

Mas, por acaso, assisti à inauguração do lagar da Nisacoop. O governador-civil, Jaime Estorninho, enalteceu o empreendimento e os seus obreiros, sem grandes triunfalismos e com a simplicidade que o caracteriza. Tal como o fez a presidente da Câmara de então, numa cerimónia simples. Não atacaram ninguém. Não aproveitaram uma circunstância exterior, a inauguração, para fazerem auto-elogio e “disparar” sobre o passado, as dívidas. O tempo dos snipers devia ter acabado na Bósnia. Agora há drones, boletins de propaganda feitos a título pessoal e pagos pelo erário público.
E há um Tribunal de Nisa que foi reaberto, como os restantes do país, graças ao Acordo Pluripartidário firmado pelos 3 partidos da Esquerda. Idalina, cante as canções que quiser, mas nada teve a ver com isto. Questões sérias e de regime não são “xailes bordados”...
Agora, é o boletim que informa, há subsídios a uma colectividade da “cor” no valor de 7.500 euros, enquanto a colectividade mais dinâmica do concelho de Nisa tem que se contentar, tem que pagar a “factura” da sua independência, recebendo metade daquele valor. Não só é vergonhoso, como é imoral e, acima de tudo, mostra o despotismo existente no poder local democrático em Portugal.
As Câmaras Municipais têm direito à sua imagem, a divulgar as iniciativas, os seus projectos, a obra feita, a terem meios de informação e comunicação próprios. Tudo isso é normal, aceitável e democrático.
O que não é democrático é desempenharem estas “funções” à revelia das leis do país, que mandam respeitar os princípios deontológicos da liberdade de informar, nomeadamente o pluralismo, os direitos de oposição e de opinião que assiste aos demais eleitos. A Câmara não é uma pessoa. É composta de cinco eleitos, três dos quais, foram excluídos dos elementares direitos de participação na elaboração de um Boletim que tem no título “Municipal” mas que, em boa verdade, devia ser chamado de Pessoal e Instrumental.
Mário Mendes