21.3.17

A PRIMAVERA: A mais linda poesia

António Branco, trabalhador rural, forneiro, analfabeto, montalvanense de “antes quebrar que torcer” deixou um acervo literário disperso, bastante disperso, de poemas e canções. Sim, porque os seus versos, as suas rimas, não saíam do punho e da caneta, mas da alma e da garganta, lançadas, quantas vezes, freneticamente, entre um e outro copo do tinto, que “premiava” as cantigas ao desafio.
Estas são uma das mais belas, senão mesmo , as mais belas Décimas que até hoje tive a oportunidade de ler. Por esta "Primavera" cheia de colorido e de música (fazer décimas e fazê-las bem feitas, ao contrário do que muitos pensam, não é uma arte fácil) as palavras fazem-nos viajar no tempo, passear pelos campos, sejam do Alentejo ou de Trás-os-Montes, das Beiras ou do Minho e encher os sentidos de sons, de cheiros, de imagens cheias de cor, imensidão e nostalgia. Como dizia outro poeta: "A Primavera vai e volta sempre; a mocidade já não volta mais". Com estas décimas do ti António Branco, vestimo-nos de gala e passeamos pelo campo, regressamos à infância. Estão lá os condimentos todos. Lembramos Cesário Verde e perguntamo-nos como é possível não darmos o valor merecido a estes poetas sem escola, analfabetos, mas ricos de vida e de experiências campestres. A Primavera vai e volta sempre. Os versos do ti António Branco, o "Forneiro", também. Saboreiem-nos. Devidamente!

A Primavera
Na Primavera de Flores
Vestem-se os campos de gala
Alegria dos pastores
Canta o canário na jaula
I
Canta o rouxinol no prado
No meio da árvore sombria
Canta alegre a cotovia
Canta o triste encarcerado
Canta o cuco, brinca o gado
Alegram-se os lavradores
Mudam as aves de cores
Quando andam fazendo o ninho
Canta todo o passarinho
Na Primavera de Flores
II
Canta alegre o jardineiro
Por ver as flores a brilhar
Canta o lavrador a lavrar
E na quinta canta o quinteiro
Canta o melro no loureiro
A gaivota sobre a vala
Canta quem tem boa fala
Canta até quem a não tem
Cantam os Anjos também
Vestem-se os campos de gala.
III
Só tu vens abastecer
Ó Primavera real
Pastos para tanto animal
Pão para a gente comer
Muitas lãs para fazer
Fatos de todas as cores
Tu com essas tuas flores
Sustentam muito vivente
Cresce o leite de repente
Alegria dos pastores.
IV
Quando me quero levantar
Em manhã de Primavera
Debaixo da atmosfera
Não ouço senão cantar
Grilos com as asas a tinar
A cotovia na alta escala
A andorinha nem se fala
Dá-nos gosto o rouxinol
Logo assim que nasce o sol
Canta o canário na jaula. 
António Branco (poeta popular de Montalvão)