13.2.17

DO ALTO DO TALEFE (18): O Avô

Sentado á sombra do pequeno chaparro, saboreava a leitura do último “Notícias de Nisa”. O ruído de potentes motores distrai-me das letras impressas e espantado, vejo quatro adultos e uma data de miúdos e miúdas, a largar os jipes em que se transportavam e vá de olhar para o chão. Algum tempo depois, era pedras, calhaus, observados, discutidos e guardados em sacos.
Esquisito, pense, que raio de passatempo. E riam, satisfeitos. Mas, quem eram, que faziam, que prazer tiraram daquelas pequenas pedras?
Do alto do talefe, suficientemente afastado, tanto que nem se aperceberam da minha presença, não compreendi o que faziam, mas a curiosidade persistiu.
No regresso junto a um pontal, na azinhaga, dou de caras com um velho amigo que regava a pequena horta, que também se apercebeu do motivo da minha curiosidade e por sorte reconhecera os intervenientes.:
- São professores e alunos da escola secundária de Nisa, diz-me ele.
E entusiasmado, prossegue:
- O meu neto, também lá anda. E com os olhos a sorrir, acende o cigarro e atira-me:
- Sabes, é um dos melhores nas aulas, com computadores, é um barra, saiu ao avô, e riu-se...
Riu-se com a caixa toráxica que lhe resta dos muitos cigarritos queimados, mas com a alegria de quem se revê orgulhosamente feliz, num jovem despreocupado.
- Agora é que devia andar na escola – continuou a sorrir.
- Há dias o meu neto foi a Lisboa visitar o Aqueduto das Águas Livres e o Museu da Água, hoje, anda ali com colegas, professores e um geólogo da Empresa Nacional de Urânio, e conhece as rochas do nosso concelho.
Daqui a dias os colegas dele vão ao Jardim Zoológico de Lisboa e outros durante uma manhã, vão conversar sobre problemas da adolescência, com professores especializados. A minha neta mais nova, vai a Tolosa visitar uma fábrica de queijo e outros miúdos vão discutir durante um dia inteiro, sobre o racismo, o xenofobismo e a violação dos direitos humanos.
Estende o olhar para o fundo do Bacelo, retira uma fumaça e continua:
- Esta minha neta, aprendeu a andar a cavalo, no picadeiro, lá na escola, com o capitão e os soldados da GNR. No meu tempo...
Parou, acendeu o cigarro, que se tinha apagado, no calor da divagação e olhando para mim e para a minha cara de estupefacção, sorriu mais uma vez e prosseguiu:
- É como te estou a dizer; daqui a dias a minha neta vai fazer experiências de física, durante outro dia inteiro, parece que o Ministério da Ciência disponibilizou uma viatura equipada, para demonstrações de física experimental na escola, e o meu neto vai visitar as gravuras de Foz-Côa, durante dois dias.
Nesta altura, já me tinha sentado, com o Fadista, pequeno podengo, filho do SPI, o cão do Zé Saragoça, e protestou, porque inquieto como é, não aguenta tanto tempo parada, e ia-me despedir, quando ele me interpela novamente:
- Gostas de ver o céu? É que o meu neto contou-me que no dia 24 de Maio vai à escola, o Máximo Ferreira, um catedrático da Faculdade de Ciências, ensinar as estrelas com telescópios. Se quiseres ir, aparece na taberna do Chapim, que o meu neto leva-nos aos dois e apresenta-te o tal Máximo Ferreira.
Não me contive e perguntei-lhe: Escuta lá. Isso que tens estado a dizer, passa-se mesmo na escola secundária de Nisa?
- Ora, onde havia de ser! Os meus netos estudam em Nisa, homem!
Zé de Nisa – Notícias de Nisa – 30 de Abril de 1997