Evocação da vida e obra do Dr. João Vieira
Pereira no centenário do seu nascimento
As cerimónias de homenagem ao
médico João Vieira Pereira, que coincidiram com o centenário do seu nascimento,
decorreram com grande emoção na terça-feira, dia 2 de Setembro, na cidade das
Caldas da Rainha e foram presididas pelo Cardeal Patriarca D. José Policarpo
que sublinhou as qualidades humanas do homenageado.
A Câmara Municipal atribuiu-lhe a
medalha de ouro do município e o Montepio inaugurou o novo equipamento de
Radiologia, ao qual atribuiu o nome de Vieira Pereira porque foi este médico
que iniciou esta especialidade naquela casa. Trata-se de equipamento de ponta e
que custou mais de 400 mil euros.
A família ficou surpresa com a
grande adesão da população ao evento. “É fantástico como passados 15 anos da
sua morte, ainda há tanta gente que fala do meu pai como se ele estivesse
vivo”, disse a filha, Luísa Vieira Pereira, que fez ainda questão de relembrar
o papel fundamental que teve a sua mãe, Maria Ofélia Vieira Pereira.
A homenagem ao ilustre médico,
falecido em 1993, foi organizada pelo Montepio Rainha D. Leonor, pela edilidade
caldense e pelas Juntas de Freguesia de Alvorninha e de Alfeizerão.
As cerimónias iniciaram-se com a
realização de uma missa solene com a presença de D. José Policarpo na Igreja de
Nossa Senhora da Conceição e prosseguiram com uma sessão solene de homenagem
presidida pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, realizada no salão nobre dos Paços
do Concelho e contou com a participação de representantes de várias entidades
oficiais, entre as quais responsáveis do Montepio, da autarquia, do Governo
Civil e da família.
Mais tarde, na Casa de Saúde do
Montepio, decorreu o descerramento do busto representativo da figura deste
médico e ainda a inauguração do novo serviço de Radiologia com o seu nome, após
as obras de remodelação que ali foram efectuadas e a aquisição de novo
equipamento.
MÉDICO “JOÃO SEMANA” QUE TAMBÉM
FUNDOU UM JORNAL
João Vieira Pereira era natural de
Amieira do Tejo (concelho de Nisa) tendo nascido a 2 de Setembro de 1908.
Cursou Medicina em Coimbra (1927- 1933) e foi primeiro médico em Alvorninha
(1934), da Casa do Povo de Alfeizerão e dos SMS (Serviços Médico Sociais) do
concelho das Caldas da Rainha.
Dirigiu o dispensário
Antituberculoso da cidade e foi médico no Montepio onde fez Clínica
Geral dos sócios, banco, e
anestesia e medição do metabolismo basal. Foi primeiro médico radiologista do
Montepio, do Hospital das Misericórdia das Caldas e do Centro Hospitalar.
Era no início da sua vinda para as
Caldas um autêntico “João Semana” que percorria a região das Caldas a cavalo
para cuidar dos seus doentes e fez parte de uma época áurea do Montepio – tendo
feito parte da equipa que incluía os médicos Ernesto Moreira e Mário de Castro
– e ali trabalhou durante 52 anos em diversas áreas. Foi, no entanto, à
Radiologia que Vieira Pereira dedicou muito trabalho e pesquisa. Foi
congressista no Congresso de Radiologistas de Cultura Latina e do Congresso
Espanhol em Sevilha (1964) e autor de vários trabalhos de temas clínicos,
radiológicos, de anestesiologia e de História da Medicina. Vieira Pereira fez
várias conferências nas Caldas e Bombarral sobre temas do foro clínico e
radiológico.
Foi fundador de “O Progresso”, um
semanário regionalista caldense, publicado pela primeira vez a 18 de Agosto de
1946 e do qual foi director.
Este médico era muito querido pela
população caldense tendo sido já distinguido com várias sessões de homenagem. É
recordado ainda hoje com saudade. Faleceu a 19 de Janeiro de 1993, após 57 anos
de vida profissional, 53 dos quais no Montepio.
Vieira Pereira escreveu na Revista
Portuguesa de Clínica Geral – 1986 nº 14: “Com isto tudo e depois de 57 anos de
labor direi: Sinto saudades da Clínica Rural com as suas dificuldades, o
espírito de sacrifício, as caminhadas, as chamadas nocturnas, os partos no
domicilio, os perigos e as canseiras, o afogamento, duas fracturas da bacia,
uma rotura tendinosa num joelho, um trabalho sem férias sem feriados, sem
horários, sempre às
ordens e ao serviço do Povo, sem
chegar a ser rico. Mas eu queria voltar atrás, não para querer mais nem querer
melhor. Só queria apenas repetir-me…”.
Natacha Narciso in “Gazeta das
Caldas”
Morreu um homem bom *
Deve ter morrido feliz e de
consciência tranquila. Fez bem sem olhar a quem, guiou-se pelos princípios mais
simples e valorosos que um homem pode ter.
Um Homem com H maiúsculo. Se
quiséssemos escolher um cidadão exemplar, amigo de todos, especialmente dos
mais modestos, não teríamos dúvidas em eleger do Dr. João Vieira Pereira.
Viveu quase 85 anos, com uma
juventude imbatível, com uma força de viver inigualável, com uma amizade pelos
outros, transbordante, como uma actividade incansável.
Há muito que o tínhamos por amigo e
em momentos recentes que passámos por provações difíceis, tivemos sempre dele
uma visita oportuna, uma palavra amiga.
As palavras e as homenagens, muitas
delas de circunstância não alterarão a imagem e a gratidão de todos os que o
conheceram, que privaram com ele, que foram seus doentes e amigos.
Pena foi que em vida não tenha sido
consagrado ao mais alto nível pela sua dedicação à comunidade, mas isso não lhe
fará incómodo, porque muitos dos que são agraciados nessas circunstâncias, não
merecem nem de perto aquilo que ele é credor.
Não temos mais palavras para
testemunhar a nossa gratidão, porque a comoção ao escrevê-las nos impede de
continuar.
Para nós, a vida vale a pena pelo
facto de termos conhecido o Dr. João Vieira Pereira e alguns como ele, que são
verdadeiros amigos, que sabem comungar o sofrimento e as alegrias de forma
perene.
Obrigado Dr. João Vieira Pereira.
JLAS
* Texto publicado em 1993 na
“Gazeta das Caldas” por ocasião do falecimento do médico amieirense.
Ao Dr. João Vieira Pereira, pelo
seu espírito humanista e abnegação que sempre teve para com o seu semelhante,
sem qualquer discriminação de raça ou credo.
Médico é profissão
Que dizem ser liberal.
Mas não pode dizer não,
A quem por vezes faz mal.
Como a mulher de mau porte,
Não rejeitam clientes.
Vai pobrezinho sem sorte,
Ou rico impertinente.
Aturam de tudo um pouco,
Sejam gordos, esqueléticos,
Pode por vezes, vir louco,
Ou então velhos caquéticos.
À consulta vai quem quer,
Seja de noite ou de dia.
Por vezes quase a morrer,
Outras vezes é mania.
Menina com histerismo,
E fazendo olhar dengoso.
Um homem com paludismo,
Solteironas com nervoso.
Talvez que não, por descrédito,
Doentes que vão à bruxa.
Mas voltam de novo ao médico,
Tal como a velha cachucha.
Sofre bastante se falha naquilo,
Naquilo que por bem faz.
Espera vencer a batalha,
Este soldado da Paz.
Alheios à televisão
Raros praticam desporto.
Têm pouca diversão,
Vida dura, desconforto.
No Inverno cai a chuva,
No verão calor abrasa.
Todos querem lhes acuda,
Seja na rua ou em casa.
Nesta honrosa missão,
Em que o homem se redime.
Para ele é galardão
Tarefa tão sublime.
José Augusto Pimentel (20-12-86)
NOTA DA REDACÇÃO – Agradecimento
A publicação deste artigo só foi
possível graças à excelente colaboração do semanário “Gazeta das Caldas” e da
jornalista Natacha Narciso, que foi incansável, no sentido de nos garantir
todos os dados e fotos que ilustrassem a história de vida desta figura de
grande dimensão social, profissional e humana que foi o médico amieirense Dr.
João Vieira Pereira, justamente homenageado na cidade a que deu importante
contributo.
Para a “Gazeta das Caldas” na
pessoa do seu director e para a Natacha Narciso, os nossos agradecimentos e um
fraternal abraço.
* Artigo publicado no "Jornal de Nisa" nº 262 - 2008
Mário Mendes
Mário Mendes