Nos últimos dias o tema de discussão dos políticos tem sido
o engenheiro.
Não o engenheiro, o Fernando Santos, porque esse faz
engenharia de futebol.
Não o engenheiro, o Guterres porque esse faz pontes nos
refugiados da ONU.
Não o engenheiro, o Barroso, ou será, doutor?, esse faz
qualquer coisa na Comissão Europeia.
Não se discutiu nenhuma ponte, estrada, aeroporto, vias
rápidas, TGV ou OTA, discutiu-se o engenheiro.
Melhor dizendo, o titulo de engenheiro.
Parece que algumas pessoas prolongam na vida o hábito dos
empregados de mesa dos cafés de Coimbra, de tratar por doutor qualquer
estudante universitário, na mira de gorjetas caídas ao som da ilusória
doutorice, dos recém chegados estudantes coimbrões.
Um dos meus amigos
gaba-se de ter andado a estudar para engenheiro, embora tivesse parado ainda na
quarta classe, para ingressar nos negócios da vida.
O doutor, o engenheiro e o arquitecto naturalizaram-se como
carga social de tal forma que a ocupação de um cargo com alguma visibilidade
pública, parece ter naturalmente que ser ocupado por engenheiros, doutores ou
arquitectos.
Quantas vezes um escriturário não foi tratado por doutor, só
por estar sentado num local que parece ser de doutores?
Quantas vezes um gajo bem vestido não foi tratado por doutor
ou por engenheiro?
A natural sabujice de alguns leva-os a tratar por doutor
quem eles sabem que não o é, mas que sabem lhes agrada ouvir.
A natural parolice de outros leva-os a aceitar o tratamento
por doutor mesmo não o sendo, pelo simples motivo de serem parolos.
A natural tonteria de alguns leva-os a tratar por engenheiro
quem apenas andou a estudar para tal.
A natural vaidade dos medíocres leva-os a aceitar o
tratamento por engenheiro, doutor, arquitecto, mesmo sem o serem, porque são
estes que alimentam a carga social do uso de tais títulos.
É natural.
Quer dizer, ou melhor dizendo, é natural em Portugal.
Já não é natural que sem o ser, alguém promova para si o
título que não possui.
Já não é natural que sem o ser, alguém omita o facto de não
possuir tal título.
E não é preciso ir para Lisboa, a capital dos parolos, basta
andar pela nossa terra e constatar o facto.
Temos muitos papas que não o são e ninguém protesta por
isso.
Porque razão se há-de protestar por termos engenheiros ou
engenheiras que não o são?
Discutir o assunto é uma parolice sem qualquer dúvida, mas
usar ou fomentar para que usem o tratamento de engenheiro ou engenheira sem o
ser é uma doutorice parola, que embriaga de prazer o analfabeto, é uma
engenhoquice que faz rejubilar o medíocre, e que faz rebolar de gozo os que
pela sua competência, honestidade e qualidades de trabalho não precisam de
tratamentos titularóides para se assumirem como gente digna e com valor.
Que pena, só o nosso primeiro-ministro ter de demonstrar que
é titular de um currículo de engenheiro. Aproveitando o exemplo que vem de
cima, todos os titulares de cargos públicos (no governo e nas câmaras) deveriam
demonstrar junto dos seus eleitores a sua carreira académica.
Não que viesse resolver fosse o que fosse, mas enquanto
exercício parolo sempre ajudaria a elevar o moral dos que se esforçam para
melhorar as suas qualificações, ao desmascarar os que usurpam tratamentos que
não merecem.
Zé de Nisa in "Jornal de Nisa" -