13.11.16

DO ALTO DO TALEFE (15): O Engenheiro ou a discussão parola

 Nos últimos dias o tema de discussão dos políticos tem sido o engenheiro.
Não o engenheiro, o Fernando Santos, porque esse faz engenharia de futebol.
Não o engenheiro, o Guterres porque esse faz pontes nos refugiados da ONU.
Não o engenheiro, o Barroso, ou será, doutor?, esse faz qualquer coisa na Comissão Europeia.
Não se discutiu nenhuma ponte, estrada, aeroporto, vias rápidas, TGV ou OTA, discutiu-se o engenheiro.
Melhor dizendo, o titulo de engenheiro.
Parece que algumas pessoas prolongam na vida o hábito dos empregados de mesa dos cafés de Coimbra, de tratar por doutor qualquer estudante universitário, na mira de gorjetas caídas ao som da ilusória doutorice, dos recém chegados estudantes coimbrões.
 Um dos meus amigos gaba-se de ter andado a estudar para engenheiro, embora tivesse parado ainda na quarta classe, para ingressar nos negócios da vida.
O doutor, o engenheiro e o arquitecto naturalizaram-se como carga social de tal forma que a ocupação de um cargo com alguma visibilidade pública, parece ter naturalmente que ser ocupado por engenheiros, doutores ou arquitectos.
Quantas vezes um escriturário não foi tratado por doutor, só por estar sentado num local que parece ser de doutores?
Quantas vezes um gajo bem vestido não foi tratado por doutor ou por engenheiro?
A natural sabujice de alguns leva-os a tratar por doutor quem eles sabem que não o é, mas que sabem lhes agrada ouvir.
A natural parolice de outros leva-os a aceitar o tratamento por doutor mesmo não o sendo, pelo simples motivo de serem parolos.
A natural tonteria de alguns leva-os a tratar por engenheiro quem apenas andou a estudar para tal.
A natural vaidade dos medíocres leva-os a aceitar o tratamento por engenheiro, doutor, arquitecto, mesmo sem o serem, porque são estes que alimentam a carga social do uso de tais títulos.
É natural.
Quer dizer, ou melhor dizendo, é natural em Portugal.
Já não é natural que sem o ser, alguém promova para si o título que não possui.
Já não é natural que sem o ser, alguém omita o facto de não possuir tal título.
E não é preciso ir para Lisboa, a capital dos parolos, basta andar pela nossa terra e constatar o facto.
Temos muitos papas que não o são e ninguém protesta por isso.
Porque razão se há-de protestar por termos engenheiros ou engenheiras que não o são?
Discutir o assunto é uma parolice sem qualquer dúvida, mas usar ou fomentar para que usem o tratamento de engenheiro ou engenheira sem o ser é uma doutorice parola, que embriaga de prazer o analfabeto, é uma engenhoquice que faz rejubilar o medíocre, e que faz rebolar de gozo os que pela sua competência, honestidade e qualidades de trabalho não precisam de tratamentos titularóides para se assumirem como gente digna e com valor.
Que pena, só o nosso primeiro-ministro ter de demonstrar que é titular de um currículo de engenheiro. Aproveitando o exemplo que vem de cima, todos os titulares de cargos públicos (no governo e nas câmaras) deveriam demonstrar junto dos seus eleitores a sua carreira académica.
Não que viesse resolver fosse o que fosse, mas enquanto exercício parolo sempre ajudaria a elevar o moral dos que se esforçam para melhorar as suas qualificações, ao desmascarar os que usurpam tratamentos que não merecem.

 Zé de Nisa in "Jornal de Nisa" -