É manhã, o Sol preguiçoso ainda não surgiu no horizonte e a
caminhada para o talefe, fez-se entre alguma névoa matinal. É meu objectivo
esperar pelo malandro do astro-rei, mordendo o naco de pão, previdencialmente
transportado no bolso do casaco.
A cabeça latejava-me, como que a lembrar-me que a leitura
até altas horas deixa efeitos no dia seguinte, as ideias rolam mas a sua
conexão não se estabelece. Sem fixar-me em nada de especial, olhei o chaparro
que ali perto teima em crescer.
E o Sol, levanta-se, lento, majestoso, orgulhoso do seu
querer, faz-me fechar os olhos como que exigindo a vassalagem devida aos
poderosos, arrogante, em poucos minutos coloca-se de modo a aparecer de forma
impiedosa em todo o planalto, já abrasado, por dias idênticos.
A seca ia continuar a martirizar este solo, onde os
decisores não vivem e em que o poder dos votos, equivale a uma qualquer
suburbana urbanização dormitório das grandes cidades.
Alegrei os olhos e vi todo o Alentejo a transformar-se num
enorme deserto, de Nisa a Almodôvar, de Mora a Mértola e lembro-me de Fernando
namora e das Minas de S. Domingos e do riacho que é hoje o Guadiana. Faço mais
um esforço e tento recordar-me da Ribeira de Nisa, do Figueiró, do Sor, das
levadas de água e só encontro pequenos pegos e algumas cabeças de gado
subsidiadas em ecus.
Em Lisboa, ergue-se com a ajuda de milhões o Centro Cultural
de Belém e prepara-se a Expo 98, mostra de variedades de astros-reis que não
resolvem o problema do Alentejo e nós por cá teimosos como o chaparro.
Teimosos, agarrados à esperança de vermos o Alentejo vestido
de árvores frondosas e com sistemas de irrigação que permitam o desenvolvimento
da região. Convictos, de que um dia, aqueles que decidem, olharão para cá e
farão os investimentos necessários para que este território, tão vasto, possa
ser ocupado por gente que nele possa viver e criar os filhos, com a qualidade
de vida que todos ambicionam.
O Sol ergue-se mais e à cautela refugio-me junto do
chaparro, amigo e cúmplice de longa data, que à laia de despedida me sussurra:
vai tomar um banho à piscina de Nisa!
Ah! Chaparro, és mesmo alentejano, o único português que faz
humor com a própria desgraça, mas simultaneamente orgulhoso bastante para
dizer: Oh, Sol, um dia este Alentejo ainda te vencerá e os nossos filhos
rir-se-ão de todos os malandros dos “astros-reis”.
Zé de Nisa – Notícias de Nisa nº - nº4 (1ª série)