1.8.16

OPINIÃO: Fogo que arde sem se ver

 As imagens de chamas e carros de bombeiros são um clássico de verão, dos que sabemos que inevitavelmente abrirão um ou outro noticiário. A floresta está hoje mais desordenada e suja do que em 2003, pior ano de sempre em total de área ardida e em que morreram 21 pessoas vítimas das chamas. O tema, no entanto, vai escapando ao escrutínio dos media. Em redações cada vez mais curtas, contam-se pelos dedos das mãos os jornalistas portugueses que dominam o tema da Proteção Civil e vão além do fogacho do dia, questionando temas como a prevenção estrutural, a formação dos bombeiros ou a organização dos meios.
A juntar a essa debilidade, cuja responsabilidade é nossa, a informação este ano disponibilizada na página da Autoridade Nacional de Proteção Civil tornou-se mais limitada. Em teoria, o site passou a mostrar mais. Mas de forma de tal modo confusa (com assistências por doença misturadas com acidentes rodoviários, intoxicações ou incêndios) que é preciso um grande cuidado na navegação, para se conseguirem autonomizar e cruzar dados. Além disso a informação histórica fica disponível apenas nos incêndios classificados como "ocorrências importantes", diluindo-se assim dados evolutivos ou, por exemplo, sobre reativações - um dos indicadores para avaliar a eficácia do combate e do rescaldo.
Um dos erros de base está no facto de ser classificado como "importante" apenas um incêndio com duração superior a três horas e, cumulativamente, mais de 15 meios de socorro envolvidos. Vamos a exemplos concretos. Ontem, às 16.30 horas, havia apenas um incêndio classificado como tal, em Manteigas. E, no entanto, estavam 32 fogos "em aberto", cinco com dimensão suficiente para terem meios aéreos envolvidos e 10 ativos há mais de três horas. Desses 10, três duravam desde a véspera e um deles há mais de 24 horas.
Questionada por investigadores e jornalistas que se queixam da dificuldade de acesso à informação relevante, a Proteção Civil justifica que está ainda a melhorar a configuração dos dados. Mas há quem considere, como Duarte Caldeira, que presidiu à Liga dos Bombeiros Portugueses durante 12 anos, que esta é uma das explicações para a reduzida exposição dos incêndios na comunicação social, este verão.
Não queremos imagens gratuitas de chamas. Nem discursos simplistas sobre as causas. Mas impõe-se a transparência na prestação de contas. Neste, como em todos os temas de interesse público, todos os fogos devem poder ser dados a ver.
Inês Cardoso - "Jornal de Notícias" - 1/8/2016