28.8.16

OPINIÃO: A floresta entregue aos bichos…

António Costa falou como se tivesse nascido ontem para o problema. A floresta desaparece. O ‘negócio do fogo’ prospera.
Arrepia saber-se que a área ardida em Portugal, até ao final da semana passada, ultrapassava os 100 mil hectares de matos e floresta, cerca de metade da totalidade da área consumida pelo fogo nos 28 países da União Europeia.
Este retrato descarnado é grave demais para não se exigirem responsabilidades aos poderes públicos, a começar pela ligeireza de governantes, que continuaram em férias, sem o menor sobressalto.
As televisões reincidiram na cobertura indecorosa, preenchendo horas a fio com diretos, fartos de labaredas e de dramas de populações com o futuro interrogado. Um deprimente reality show.
A ‘indústria do fogo’ continua ativa. Pudicamente, o atual secretário de Estado da Administração Interna fez constar que «há quem diga que a indústria do fogo dá dinheiro a muita gente».
Pois dá. É por isso que se repetem os achados de restos de engenhos explosivos, a par de outras histórias que ilustram o ato criminoso de atear a floresta. Quase impune. 
Há muito que se sabe que é uma impossibilidade prática um incêndio deflagrar, pela madrugada, em várias frentes. Mas voltou a acontecer.
De pouco adianta o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses pintar de cores fortes as palavras, ao presumir uma «onda terrorista devidamente organizada» na origem dos incêndios florestais.  Disse-o após uma audiência em Belém. Não o terá feito de ânimo leve.  
Em Maio de 2006, era António Costa ministro da Administração Interna, quando foi aprovada uma resolução pomposamente intitulada Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios. Ficou no tinteiro.
Foi necessária uma tese de mestrado, defendida em 2014 por Ascenso Simões – antigo secretário de Estado de António Costa –, para dar a mão à palmatória e reconhecer  o «erro grave» de não se ter modificado o paradigma, privilegiando a prevenção em vez da concentração de recursos no combate aos incêndios florestais.
Sem meias tintas, criticou então a iniciativa política que «se mostrou voluntarista e descompensou um caminho coerente de intervenção». Costa ficou com as orelhas a arder, mas só agora reagiu, explicando, com santa inocência, que quis «comprar tempo» para que fosse feita a reforma da floresta.
Ainda em 2014, a Assembleia da República aprovaria, por unanimidade, um relatório sobre incêndios florestais, do qual foi relator outro socialista, Miguel Freitas, produzido por um grupo de  trabalho parlamentar.
Logo no preâmbulo, o documento defendia, taxativamente, que «os incêndios florestais representam a mais séria ameaça ao desenvolvimento sustentável da floresta nacional, cujo risco de arder é  quatro  vezes superior ao dos países do Sul da Europa».
Invocavam-se dados estatísticos terríveis: «Nos últimos 33 anos (1980-2013) arderam em Portugal mais de 3,5 milhões de hectares, dos quais cerca de 1,95 milhões nos últimos 14 anos, ou seja, 55% da área ardida nos últimos 33 anos foi já no século XXI». Outro estudo para a gaveta.
A «prevenção e o combate continuam de costas voltadas», como concluiria melancolicamente o relator.
De facto, elaboram-se estudos, aprovam-se planos, bate-se com a mão no peito perante a floresta devastada. Governo após Governo, fazem-se juras com a fogueira atiçada, que se esquecem às primeiras chuvas de Outono.
Em Agosto de 2013,  escrevia-se  nesta coluna: «O país enfrenta – sem receio das palavras –, uma certa forma de terrorismo, que não pode ser encarada, singelamente,  como uma fatalidade de Verão, útil para preencher largos espaços dos telejornais.
Há bombeiros mortos, há bombeiros feridos e muitos haveres dizimados. Uma vida perdida é insubstituível e impõe que os decisores políticos, os legisladores, os tribunais, as policias, parem para pensar, adotando as medidas – preventivas e repressivas –,  que se tornaram inadiáveis.
Reveja-se o ordenamento do território e o funcionamento dos corpos de vigilantes e de guardas florestais.
Obriguem-se os particulares a tomarem conta da sua floresta, e obrigue-se o Estado a fazer outro tanto. A floresta não arde por combustão espontânea, salvo em circunstâncias muito especiais. E agravem-se as penas por fogo posto, que tantas vítimas estão a causar.
Se não houver, com urgência, uma atuação decidida e concertada, envolvendo mudanças na lei e no modus operandi de polícias e tribunais, a floresta continuará a arder. E tudo o mais é fogo de vista...»
De então para cá, como em 2006 ou em 2014, a prevenção da floresta, a investigação dos crimes de fogo posto, a punição dos autores e dos seus mandantes, deu num saco cheio de nada.
António Costa falou como se tivesse nascido ontem para o problema. Timoratos, o PCP e o Bloco meteram a viola no saco. A floresta desaparece. O ‘negócio do fogo’ prospera. A desvergonha tornou-se viral…
Dinis de Abreu in sol.sapo.pt - 26/8/2016