2.5.16

GLIFOSATO: O herbicida que contamina Portugal

Pela primeira vez há análises e revelam situação descontrolada
Análises realizadas pela Plataforma Transgénicos Fora em colaboração com o Detox Project (detoxproject.org) evidenciaram níveis inesperados e absolutamente assombrosos de glifosato (mais conhecido por Roundup), o pesticida químico sintético mais usado na agricultura portuguesa– e até agora o mais ignorado. Há pelo menos dez anos que não se conhece qualquer análise oficial à sua presença em alimentos, solo, água, ar ou pessoas. Este vazio, inédito a nível europeu, é hoje preenchido parcialmente com os resultados das análises realizadas à urina de 26 voluntários portugueses e a algumas amostras de alimentos. Portugal tem agora de encontrar soluções a nível nacional e europeu que esclareçam as razões de tal contaminação humana e a reduzam em várias ordens de grandeza.
Muito embora o Ministério da Agricultura mantenha, ao longo de sucessivos governos, um plano anual de monitorização em alimentos que testa a presença de mais de 300 resíduos de pesticidas, o glifosato tem sido excluído das análises. O mesmo se passa com a água de consumo, uma vez que o Ministério não inclui o glifosato na lista de substâncias a pesquisar pelas entidades fornecedoras. Quando questionado formalmente no início deste ano o mesmo Ministério não apresentou quaisquer análises, nem mesmo as previstas pelas diretivas técnicas da União Europeia, afirmando que até à data tinha sido considerado desnecessário incluir este químico nas suas análises de rotina.
Mas as mais de 1600 toneladas de glifosato vendidas anualmente, que para além de fins agrícolas também se aplicam abundantemente em zonas urbanas de Norte a Sul do país para controlo de ervas em ruas e caminhos (salvo nalguns, poucos, municípios), não desaparecem sem deixar rasto. Elas representam um potencial de contaminação generalizado que até agora tinha ficado por testar. Hoje começa finalmente a traçar-se um primeiro quadro onde sobressai a gravidade dessa poluição silenciosa, invisível e provavelmente mortal (segundo a Organização Mundial de Saúde o glifosato é provavelmente carcinogénico em humanos e demonstradamente carcinogénico em animais de laboratório).
Em 26 voluntários portugueses, o glifosato foi detetado em 100% das análises efetuadas à urina. Na Suíça, em 2015, uma iniciativa equivalente tinha detetado glifosato em apenas 38% dos casos e, em 2013, num outro levantamento realizado pela associação Amigos da Terra em 18 países europeus, estavam contaminadas 44% das pessoas.

O valor médio de glifosato na urina dos portugueses testados foi de 26.2 ng/ml (nanogramas por mililitro). Para referência tome-se a Diretiva da Qualidade da Água: na água de consumo o glifosato não pode ultrapassar os 0.1 ng/ml. Isto significa que a quantidade de glifosato agora detetada, se estivesse em água da torneira, contaminaria essa água 260 vezes acima do limite máximo legal!
A situação noutros países não é brilhante, mas apresenta-se muito menos grave do que a portuguesa. O estudo "Urinale 2015", que abrangeu mais de 2000 alemães, encontrou uma média de apenas 1.1 ng/ml: cerca de 20 vezes abaixo dos resultados portugueses. Além disso, o valor mais alto detetado na Alemanha foi de 4.2 ng/ml, enquanto que os valores portugueses variaram entre 12.5 e 32.5 ng/ml. Ou seja, o português menos contaminado tem três vezes mais glifosato que o pior caso alemão. Outros estudos publicados tipicamente apresentam valores médios próximos dos alemães.
Mais alguns dados relevantes a retirar dos resultados nacionais:
– os três voluntários mais novos (com idades entre os 7 e os 19 anos) apresentaram um valor médio mais elevado (26.7 ng/ml) que o grupo global, uma desproporção que também foi identificada no estudo alemão;
– não se detetou diferença clara na média de valores dos 4 voluntários que, sendo jardineiros profissionais, poderiam estar mais contaminados do que os restantes (estes últimos, todos eles habitantes de uma zona urbana e sem exposição profissional);

– embora o caso com mais glifosato seja o de um jardineiro, o segundo lugar pertence a um não-jardineiro;
– os valores acima de 20 ng/ml constituem, face à literatura disponível, as maiores concentrações jamais medidas em pessoas sem exposição profissional.
Note-se ainda que os níveis de glifosato na urina representam apenas uma fração da exposição real (que é inevitavelmente várias vezes superior).
Alguns alimentos foram também objeto de análise. A Plataforma escolheu o trigo (em grão e em farinha), a aveia em grão e o leite. Este último não apresentou glifosato detetável, mas o mesmo não se pode dizer dos cereais. Enquanto que a aveia testada apresentava 10 ng/g (nanogramas por grama), o trigo não processado atingia os 43 ng/g. Já os resultados em farinha branca tipo 55 deixam entrever que o glifosato não se limita ao revestimento exterior: o glifosato detetado foi o mais elevado de todos, com 46 ng/g. Muito embora todos estes valores estejam abaixo dos limites legalmente estabelecidos eles mostram como o glifosato pode estar a entrar regularmente na alimentação dos portugueses, o que explicaria um quadro de exposição crónica.

As análises agora realizadas pela Plataforma Transgénicos Fora são em pequeno número e não permitem retirar conclusões definitivas, mas lançam ainda assim fortes alertas. O Ministério da Agricultura tem de sair do estado de negação profunda em que se encontra e encarar finalmente o glifosato como o químico tóxico e omnipresente que de facto é. Não se conhecem ao certo quais as principais vias de exposição, mas a alimentação e a água são candidatos óbvios e devem começar a ser amplamente testadas e as fontes de contaminação eliminadas.
Além disso, enquanto não puser a casa em ordem e reduzir drasticamente os níveis de contaminação em Portugal, o governo nacional não tem autoridade moral para votar em Bruxelas a favor da reautorização do glifosato (ou sequer abster-se). Essa votação está prevista já para este mês de maio num comité técnico onde tem assento o Ministério da Agricultura. A proibição do glifosato é, aliás, amplamente apoiada pelos europeus, e os portugueses, face aos resultados aqui apresentados, dificilmente poderão nutrir qualquer outro sentimento.
A toxicidade do glifosato não é ainda um facto científico consensual e estabelecido. Além do cancro, existem na literatura científica diversas publicações que ligam o glifosato a efeitos teratogénicos (defeitos de nascimento)*10, desregulação hormonal, toxicidade hepática e renal e até autismo, mas muitos cientistas, nomeadamente os que têm algum tipo de ligação à indústria, discordam destes resultados. Na própria Autoridade Europeia de Segurança Alimentar, uma estrutura da Comissão Europeia, 62% dos especialistas que integram o painel de avaliação de pesticidas apresentam conflitos de interesse face às empresas cujos produtos estão a avaliar. De qualquer forma existem ainda muitas zonas de ignorância e incerteza que justificam uma profunda desconfiança face aos discursos de segurança das instituições oficiais.
Este cenário é agravado por dois aspetos adicionais. No caso da desregulação hormonal, por exemplo, não existem limiares de contaminação aceitável. Ou seja, qualquer concentração é perigosa e pode desencadear efeitos nefastos. Além disso o glifosato nunca é usado sozinho: os herbicidas comerciais possuem diversas outras substâncias, não indicadas no rótulo, que aumentam a agressividade do glifosato e podem ser, elas próprias, muito tóxicas. Por isso a deteção do glifosato significa a presença adicional provável de outros químicos que não são de todo considerados quando se estabelecem os limites legais para cada pesticida.
Enquanto a investigação adicional não é feita e as dúvidas dissipadas, a única forma de proteger a saúde pública é através de medidas de precaução: no caso do glifosato isso implica votar NÃO à sua reautorização (que a Comissão Europeia pretende por mais 15 anos e o Parlamento Europeu por mais 7 anos).

Em nome da transparência deve notar-se que as análises foram realizadas por iniciativa exclusiva da Plataforma Transgénicos Fora que depois obteve a colaboração do Detox Project. O financiamento foi angariado em fóruns online e junto de empresas e associações. O custo total – mais de quatro mil euros – foi coberto da seguinte forma:
- diversas pessoas a título individual 250€
- duas empresas da área da agricultura biológica 2225€
- associações membros da Plataforma (Quercus, Agrobio, Gaia e MPI) 1580€
A Plataforma foi a única responsável pela condução do processo e pela redação deste comunicado. Estão disponíveis informações adicionais sobre o método analítico e os laboratórios envolvidos.
Para mais informações: 91 730 1025 ou info@stopogm.net