27.4.16

Beira Interior nos Caminhos de Santiago de Compostela

Grupos locais estão a remarcar o antigo percurso da Idade Média. Os peregrinos estão a optar por este Caminho do Interior por ser mais tranquilo e rural
A BEIRA INTERIOR volta a integrar o mapa de itinerários pedestres rumo a Santiago de Compostela com a marcação do percurso que foi abandonado ao longo do tempo desde Tavira até Chaves. O desaparecimento de pontos de apoio, como albergues, sinalética, falta de limpeza dos percursos, explica em parte o desaparecimento deste antigo Caminho Interior Português de Santiago, que se encontrava ligado por uma importante estrada, paralela à fronteira, que se estendia desde Viseu até Évora, ligando no seu percurso a Covilhã, Castelo Branco, Nisa, Alpalhão, Crato, Alter do Chão, Fronteira, Estremoz e Évoramonte.
Nos finais dos anos 90 um grupo de peregrinos alemães aventurou-se nesta antiga rota desde Tavira até Trás-os-Montes e ficou com as melhores impressões do território. Um deles elaborou e divulgou um guia que tem sido utilizado por outros peregrinos que procuram “territórios virgens”, com menos afluxo de pessoas. Durante o ano de 2015 na Oficina de Peregrinaciones da Catedral de Santiago de Compostela foram recebidos 262.379 peregrinos.

Anos mais tarde, alguns peregrinos com residência no interior, associações de âmbito cultural e religioso, decidiram arregaçar as mangas para retomar a sinalização do antigo caminho português.
O pontapé de saída foi feito pelo município de Belmonte, em 2011, aproveitando o facto de a vila ser já um lugar de passagem para os peregrinos que caminham desde Mérida (Espanha) para Santiago de Compostela. O trabalho desenvolvido por Elisabete Robalo, arqueológa e entusiasta dos Caminhos de Santiago, ajudou a despertar consciências locais para a importância deste projeto.
Entre Monte do Bispo e Belmonte foram colocadas as tradicionais setas amarelas que são a sinalética oficial do Caminho de Santiago.
No Fundão, Pedro Ribeiro, em colaboração com a Associação do Caminho do Este de Portugal (Tavira - Santiago de Compostela), Câmara do Fundão e vários outros organismos oficiais dos Caminhos de Santiago, propôs a marcação do caminho no território fundanense em 2009.
“Como não há relatos do antigo caminho, foi seguido um percurso perpendicular à Nacional 18, porque os peregrinos devem ser afastados, sempre que possível, das estradas, deve-se privilegiar os percursos com passagem no património natural e cultural”, explica Pedro Ribeiro. No Fundão o caminho tem 40 quilómetros, está marcado desde a Lardosa até ao Ferro na Covilhã, com passagens em Castelo Novo, Alcongosta, cidade do Fundão, Valverde e Peroviseu. O apoio logístico foi outra das preocupações de Pedro Ribeiro.

“O posto de Turismo do Fundão está apto a prestar informações, como e onde dormir. Existem unidades de alojamento que praticam descontos. Basta para isso apresentar a credencial do peregrino de Santiago. O Fundão é o ponto na região onde podem ser adquiridas credenciais do peregrino, onde são aplicados os carimbos que atestam a realização do caminho e os locais por onde o peregrino passou. Esta autorização emanada pela Associação Espaço Jacobeus está confiada a Pedro Ribeiro. A entrega da credencial que prova a realização no mínimo de cem quilómetros feitos a pé, cavalo ou de bicicleta na Oficina do Peregrino em Santiago de Compostela dá direito à Compostela, diploma da realização do caminho.

A sinalética do caminho prossegue em território covilhanense até à Guarda, embora com alguns troços em falta. Depois da Guarda, o trajeto está sinalizado por Pinhel, Figueira de Castelo Rodrigo, Foz Coa, Mirandela, Valpaços e Chaves.
Pela mesma altura, a sul do distrito, em Nisa, concelho do norte alentejano que faz fronteira com Vila Velha de Ródão, também se punha mãos à obra. Sérgio Cebola efectuou em 2007 com alguns amigos, um caminho desde Nisa a Santiago de Compostela. De lá para cá, o grupo de Nisa, com o apoio da Câmara, estudou o percurso dentro do município. “O Caminho privilegia áreas rurais, existe apenas um pequeno troço que coincide com a Estrada Nacional 18 mas que pretendemos corrigir muito em breve”, refere Sérgio Cebola.
No norte alentejo o caminho vem desde Nisa, Crato, Alter do Chão, Fronteira. No concelho de Estremoz e Sousel também estão a fazer-se esforços para entrar na rota.

O apoio dos municípios à constituição e funcionamento de associações locais de “amigos do caminho” ou a delegações de associações nacionais é uma forma eficaz de criar grupos motivados para a conservação, manutenção e divulgação do caminho. É o caso de Castelo Branco. A Confraria dos Caminhos de Santiago, constituída por um grupo de peregrinos albicastrenses, remarcou o caminho em território concelhio, sinalizando desta vez a passagem na área urbana. “Tínhamos marcado o caminho há uns anos mas com o tempo a tinta foi-se apagando. A sinalização requer manutenção e limpeza do percurso”, explica Joaquim Branco, que entende ser esta uma tarefa que poderia ser confiada às Juntas de Freguesia “porque têm meios e equipamentos para isso”. No concelho de Castelo Branco as 600 setas amarelas, desenhadas por Carlos Matos, recolocadas indicam a trajectória até ao concelho do Fundão, desde os Amarelos, em Vila Velha de Ródão, cerca de 34 quilómetros no total.
No ano passado, dados apurados por Sérgio Cebola, de Nisa, com base no número de carimbagem nas credenciais, passaram pelo Caminho do Interior 34 peregrinos. “Acreditamos que vai aumentar. Os peregrinos estão a querer“desviar-se” da Vía da Plata, um percurso mais duro, num território mais despovoado, com temperaturas altas. O interior de Portugal oferece mais frescura, mais ruralidade”, refere.
Foi essa a razão que levou Hélder Cabral, de 67 anos, a optar por este Caminho “a nascer” no interior do país. Partiu de Tavira em direção a Chaves para executar um projeto próprio de percorrer cinco mil quilómetros a pé.

Já treinado em Caminhos de Santiago pelo mundo inteiro, a passagem pelas Beiras com uma amiga de longa data, também ela peregrina de Santiago, marcou de forma muito especial a dupla. “As pessoas são de uma entrega extraordinária. Perguntavam-nos se éramos peregrinos a Fátima, explicava-mos que não, ofereciam-nos comida ou dormida. Tocou-nos muito”. A companheira de viagem, Maria Marques Pereira, de 62 anos, ficou apaixonada pela região, agora com outros olhos. “ Aquela chegada às Portas de Ródão, a vista sobre a Cova da Beira, são imagens inesquecíveis. A região tem muito para dar aos Caminhos de Santiago, oxalá que sim”. Para isso, referem, “é preciso que o caminho seja todo ele sinalizado, sem interrupções. Tínhamos um GPS, o nosso objetivo era o de pernoitar nos quartéis de bombeiros, caso contrário, seguindo só pelas setas seria impossível conseguirmo-nos orientar”, observam.
A divulgação deste Caminho pelo Interior deverá implicar a colaboração de todos os municípios envolvidos. A Associação Via Lusitana, a mais representativa dos peregrinos portugueses, diz ser importante a marcação do Caminho do Interior, contudo o trabalho não se esgota aqui. “Não faz sentido publicitar um Caminho com interrupções”, diz José Luís Sanches. A Câmara da Nisa e a do Fundão têm folhetos preparados para distribuição, correspondendo os troços concelhios. Só este trabalho não chega...
in "Jornal do Fundão" - 7/4/2016