22.12.15

OPINIÃO: O Pólis de Nisa e o que há por (re)fazer

A Câmara de Beja, segundo notícia do "Público" de 15 de Dezembro, "continua a corrigir intervenções do Programa Polis”. A edilidade bejense meteu ombros a obras de correcção de um Programa que terminou há dez anos e ficou assinalado em todo o país por intervenções urbanísticas de grande envergadura, muitas delas, no mínimo bizarras e grotescas, para não dizermos que constituíram verdadeiros crimes de lesa património e atentados à memória colectiva dos habitantes dessas vila e cidades onde as mesmas tiveram lugar.
Nisa não escapou à veia modernista, à febre requalificadora e ao vendaval de obras que, como o artigo denuncia foram levadas por diante sem a participação, mínima, dos seus pretensos destinatários: as populações. Era preciso arrancar a todo o gás, cumprir os prazos porque o calendário eleitoral não podia esperar. Esventrou-se o solo, arrancaram-se árvores frondosas e de antiga idade; fizeram-se promessas em cartazes gigantescos da construção de um novo paraíso. Implantaram-se estruturas metálicas de ferro ferrugento, barreiras urbanísticas a divulgar a arquitectura de vanguarda. Destruiu-se um jardim romântico, dos mais belos do Alentejo, espaço de vivências e memórias, com a mentira do aumento da área verde.
As incoerências e contradições do projecto foram desmascaradas com argumentos de senso comum, a que os técnicos e mentores políticos da obra não souberam dar resposta capaz e condigna.
As obras avançaram, não podiam parar perante a oposição de meia dúzia de lunáticos ou "velhos do Restelo" como foram, na altura, apelidados. Orgulho-me de ter pertencido a esse reduzido núcleo que alertou e denunciou os verdadeiros atentados ao nosso património e à nossa história colectiva.
Erros de palmatória estavam à vista de todos, mas não quiseram ver, não quiseram admitir a razão e o bom senso. Impuseram-nos a sua visão "requalificadora", o uso maciço da pedra, muita dela importada de outras regiões. Não sei quem ganhou com o negócio, mas os nisenses não foram, de certeza.
As fotografias do "Pólis de Nisa" estão à vista de todos. Mesas e bancos de pedra em sítios sem sombra; uma rotunda que é um calvário para os automobilistas, principalmente para os de veículos pesados; um jardim destruído; a ferrugem metálica a separar a Alameda da estrada nacional; a ausência de estacionamento para autocarros; a famigerada requalificação da Rua Júlio Basso, tão vergonhosa como inútil, de tal modo que necessita, urgentemente, de intervenção. Junte-se a isto, a redução da área do jardim, a transformação dos passeios públicos em áreas de esplanada; a redução das vias de circulação automóvel; o desmantelamento das belíssimas escadas de acesso ao jardim em granito, substituídas por outras sem qualquer protecção.
Não sinto nenhuma satisfação especial por ter tido razão há dez anos e de outros, com responsabilidades, terem optado pelo silêncio.
A Câmara de Beja com as intervenções que está a fazer mostra que, afinal, não há obras e projectos perfeitos e imutáveis. Umas e outros são passíveis de correcção, não por vaidade pessoal de mudar só para se dizer que se fez diferente, mas em favor do interesse colectivo. A Câmara de Nisa, também percebeu a necessidade de correcção de muito do que foi (mal) feito. Sem grandes gastos arranjou espaço para estacionamento de autocarros. Implantou mesas e bancos em local apropriado e mais poderá instalar nessa zona da Alameda. Arrancou as estruturas ferrugentas e aproveitou-as (numa intervenção com que não concordo, pela sua inestética) na instalação de abrigo para os taxistas.
Das latas e canteiros ferrugentos da Rua Júlio Basso já pouco resta. A realidade sobrepôs-se à ficção. A rua carece de intervenção séria e participada com os moradores e comerciantes.
As obras do Pólis em Nisa,  há 10 anos mostraram o que não deve fazer um executivo municipal. Planear e agir deve envolver, sempre, os munícipes. Envolvimento e participação, não como figura de retórica, mas como um elemento activo da gestão da coisa pública.
Os milhões de euros de há 10 anos, são agora migalhas para o que é necessário refazer. Não teremos, jamais, o nosso belo jardim público, a "árvore da mentira", as frondosas tílias, o lago próximo do coreto. Às vezes, pergunto-me como é que o coreto, ao contrário da fonte, conseguiu escapar a tão "belas" intenções requalificadoras...
Cometeram-se crimes de lesa memória e lesa património. Ninguém - como é habitual - teve culpa ou será responsabilizado. Foi tudo a bem do povo e da nação. Honras lhes sejam feitas. Só espero que não venham, com novas "cantigas do bandido", tentar estragar aquilo que não conseguiram...
Mário Mendes