12.11.15

OPINIÃO: E agora, Senhor Presidente?

Não é verdade que o Presidente da República, depois da rejeição parlamentar do programa do Governo na passada terça-feira, tenha como opção nomear ou recusar a nomeação de António Costa como primeiro-ministro. Demitido este Governo por força de norma constitucional explícita (alínea d), n.º 1 do artigo 195.º), cabe ao Presidente encetar novas diligências para encontrar uma solução governativa que satisfaça os critérios a que sempre está vinculado mas cuja leitura fica agora drasticamente simplificada. Com efeito, cerca de dois terços dos eleitores, através dos seus representantes eleitos, recusaram a continuidade das políticas de austeridade que o Governo recém-empossado se propunha assegurar e, chegado o momento de avaliar as suas propostas, manifestaram com clareza o seu repúdio e, na mesma ocasião, o seu apoio a uma alternativa política liderada pelo Partido Socialista.Aquilo que distingue o chamado sistema "semipresidencial" adotado pela Constituição portuguesa de outros modelos de democracia parlamentar em cuja família se integra são, precisamente, as atribuições do Presidente na formação do Governo. A latitude destes poderes, formulados com grande amplitude - como convém à redação da Lei Fundamental da República - está também ali delimitada com suficiente rigor. A definição das "principais orientações políticas" e as "medidas a adotar ou a propor nos diversos domínios da atividade governamental" (artigo 188.º da Constituição) devem constar do programa de Governo que tem de ser previamente apreciado pela Assembleia da República, sem qualquer possibilidade de interferência do Presidente. E só depois de a Assembleia da República ter debatido e aceitado o seu programa, assume o Governo a plenitude das suas funções ou então, cai como caiu! De facto - e de direito! - a larga margem de apreciação dos resultados eleitorais de que o Presidente gozava anteriormente - sobretudo, neste quadro parlamentar em que nenhuma força política obteve a maioria absoluta - fica agora condicionada pela interpretação feita pelos próprios representantes eleitos, do sentido do mandato que receberam. Não pode o Presidente sobrepor os seus critérios ou preferências aos critérios e preferências dos próprios representantes, enunciados no lugar soberano da representação democrática e certificados por entendimentos escritos e declarações públicas.Como é bem sabido, a missão específica que o Presidente da República cumpre na nossa democracia constitucional - o que justifica, aliás, a sua eleição por sufrágio universal e lhe permite até, em circunstâncias excecionais, demitir o Governo e dissolver o Parlamento - é "assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas" (n.º 2 do artigo 195.º). Seria absurdo que tal poder fosse subvertido pelo seu próprio titular e que o Presidente se transformasse no principal fator de perturbação "do regular funcionamento das instituições democráticas" que justamente lhe cabe proteger! Seguramente que o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, não o fará.
Pedro Bacelar de Vasconcelos - "Jornal de Notícias" - 12/11/2015