5.4.15

NISA: Vamos à Senhora da Graça!

Segunda-feira de Páscoa, Feriado Municipal de Nisa
As “caianças” estão feitas, mas o “corre-corre” continua. Os fornos estão a arder. No ar paira o cheiro a bolos fintos e a queijadas. Alinhados no tabuleiro, os “lagartos” e as “freiras” espreitam, como os seus olhos de feijão-frade, as brincadeiras da garotada. As tigeladas ficaram boas, não ganharam “pé”. O vinho da melhor talha está guardado. Os borregos e os cabritos aguardam o sábado, são matéria-prima do ensopado!
São os preparativos!
Segunda-feira trancam-se as portas e “vai-se” à “Senhora da Graça”.
Anualmente na segunda-feira de Páscoa – feriado municipal – a região de Nª srª da Graça enche-se de colorido e do bulício dos residentes na vila de Nisa, nas demais povoações do concelho e também daqueles que, embora residindo longe, não querem faltar ao cumprimento da tradição, ao encontro com os familiares e amigos, à volta da improvisada mesa campestre, e aos festejos religiosos – missa, sermão e procissão – em honra da padroeira e, por vezes, madrinha – Nª Srª da Graça.
Não há referências às origens desta festividade, porém, apesar de já ter revestido outras características, não é inédita, nem única, quer a nível do concelho, do distrito ou do país.
Segunda-feira de Pascoela, ainda que em escala muito menor, o facto repete-se mas, desta vez, para festejar Nª Srª dos Prazeres.
Há notícia de ter havido outras romarias no local, mas caíram em desuso e as ermidas dos Santos de devoção encontram-se em ruínas (S. Lourenço). (1)
Santo Isidro que se alberga na ermida de Nª Srª dos Prazeres também já teve a sua festa promovida pelos lavradores, porém, muito recentemente, passou ao esquecimento.
Quase diariamente (de manhã e à tarde) ao longo do ano, pequenos grupos, principalmente de mulheres desfiando as “contas” do terço e rezando em coro, deslocam-se a pé (raramente de viatura) a Nª Srª da Graça para solicitar benesses ou para o cumprimento de promessas das quais a “novena” é vulgar.
Por vezes, é a santa que, em procissão desce à Vila para atender a um pedido colectivo (o último aconteceu já este mês, relacionado com o problema da seca).
Nem só a religiosidade estreita os laços dos nisorros com esta zona.
Segundo a tradição, aqui se localizou a primitiva Vila – Nisa-a Velha – que terá sido queimada e arrasada pelo Infante D. Afonso aquando das lutas fratricidas que travou com D. Dinis, rei que pagaria posteriormente, a lealdade demonstrada mandando edificar e cercar de muralhas, a cerca de 4,5 Km mais a sul, no vale do Zambujal, a actual Vila.
A história aponta para a veracidade dos factos, os dados arqueológicos não os desmentem e indiciam também, uma permanência humana no local, muito mais recuada no tempo.
O cume, “cabecinho” da colina onde se ergue a ermida de Nª Srª da Graça do qual se desfruta uma paisagem com aspectos multifacetados e com vastos horizontes que culminam na Serra da Estrela e na vizinha Espanha, distingue-se dos circundantes pela sua configuração, beleza e difícil acesso.
A tudo isto a detecção de ruínas de estruturas de características defensivas que denunciam ter existido ali um castro e, daí, o ser conhecido como “castelinho”.
O castro deve ter sido romanizado, pois, na área, têm sido encontrados tijolos (lateres) fustes de colunas e aras com inscrições votivas e no estudo da etimologia NISA, têm, alguns autores, referido a latinização de origem grega.
No vale a norte da colina, serpenteia a Ribeira de Nisa para cuja transposição foi construída uma robusta ponte de granito com via de acesso em calçada. A ponte tem marcas medievais, porém não é de excluir a sua possível origem romana.
Existem, na região, os seguintes vestígios, ruínas e monumentos: Ermida de S. Lourenço (ruínas), Cruzeiro datado de 1638 (Cruz Alta), ruínas da igreja de Santiago,amontoados dispersos de pedras ( xisto e granito), dispersão de fragmentos cerâmicos, indícios de estruturas soterradas, quatro fontes (sendo uma delas coberta e, daí, Fonte Coberta) Ermida dos Fiéis de Deus, Ermida de Nª Srª dos Prazeres (imóvel classificado de Interesse Público), Ermida de Nª Srª da Graça, via (calçada e ponte) vulgarmente conhecida por ponte dos mouros, romana, medieval e de Nª Srª da Graça.
Decorre o seu processo de classificação e estão previstas outras de recuperação, segundo protocolo estabelecido entre a autarquia nisense e a Direcção regional do Sul dos Monumentos Nacionais. (2)
É, em suma, a “Senhora da Graça”, rica em motivos religiosos, culturais, arqueológicos, históricos, arquitectónicos e paisagísticos.
Bem merece, bem merecemos, o deferimento do pedido de classificação formalizado ao IPPC e os trabalhos de recuperação/beneficiação previstos. (3)
Segunda-feira vamos à “Nossa Senhora da Graça”!
José Dinis MurtaFonte Nova16/4/1992
*********************************************
NOTA DA REDACÇÃO: O texto de José Dinis Murta foi publicado em de 1992, como se indica. Depois disso houve algumas alterações que aqui registamos:
(1) - A ermida de S. Lourenço foi reconstruída e re-inaugurada em 10 de Agosto de 2005, a pouco mais de um mês das eleições autárquicas.
(2) - O sítio de Nossa Senhora da Graça foi classificado em 2013 como Conjunto de Interesse Público, classificação baseada na proposta elaborado por José Dinis Murta, o autor do artigo.
(3) Houve escavações por duas vezes, a primeira da quais em 1995, com co-direcção dos trabalhos de José Dinis Murta.
(4) - Para os interessados nas tradições e no património, lembramos que este historiador publicou em 1997, na revista cultural de Marvão " Ibn Maruan", um artigo de cerca de trinta páginas intitulado " Um passeio à Senhora da Graça (Nisa)". A brochura pode ser lida, facilmente, na Biblioteca Municipal de Nisa.