30.11.14

OPINIÃO: Justiça popular e sem filtro

Na mesma semana que entrava em atividade o vulcão “Pico do Fogo”, na Ilha do Fogo em Cabo Verde, por cá assistíamos a um verdadeiro terramoto institucional com epicentro na elite política nacional. Casos de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal são as principais acusações de que são alvo algumas da figuras mais destacadas do universo político/financeiro dos últimos anos neste pequeno país que ocupa o 33º lugar, entre 176 países, no Índice de Perceção da Corrupção 2012, tornando-se assim como um dos países mais corruptos da Europa.
Todos vamos tendo a perceção, cada vez mais apurada, que existem elevados indicies de corrupção no nosso país, desde a chamada “cunha” para arranjar um emprego ou outros casos mais complexos que envolvem “luvas” nos negócios entre um estado-comprador e uns privados-vendedores.
Aparentemente as instituições do estado democrático parecem estar a funcionar, digo aparentemente, porque umas parecem estar a cumprir o seu dever, outras vão além das suas obrigações e outras não fazem rigorosamente nada. Dito isto, parece-me que a justiça, uns dos pilares do estado democrático, nos últimos anos, tem extravasado, por vezes, as suas funções, principalmente no modo como tem atuado, discriminado de forma negativa alguns dos envolvidos nesses processos mediáticos, sujeitando as pessoas, inocentes até prova em contrário, a um verdadeiro julgamento popular nos média. E será isto salutar numa sociedade que queremos mais justa e igualitária?
O que temos assistido nestes últimos dias é a um verdadeiro “reality show” televisivo, ao melhor da “casa dos segredos”. Chamem a isto, justiça? Desculpem lá!
O modus operandi, na detenção, investe um carácter de filme de Hollywood, envolvendo um grande aparato, de som, luz e ação. No momento, saem umas notícias, que são obtidas furando o chamado segredo de justiça, de preferência para um tabloide tipo “Correio da Manhã” ou “Sol”, controlando-se assim desta forma o julgamento popular através dos jornais e das televisões, que transmitem em direto, momentos de nada ou de coisa nenhuma.
É assim desta forma obtusa que funciona a nossa justiça, para depois, passado uns anos produzir prova e julgar os presumíveis culpados, que vão a tribunal apenas para formalizar uma situação que já por si está definida desde o início do processo mediático, chamado de justiça popular sem filtro.
O direto na televisão deixa-nos ver para lá das paredes do tribunal, expõem as pessoas como numa montra do comercio da avenida ou do centro comercial, através dos vidros foscos de um campus da justiça, espaço físico que não dignifica a instituição que outrora tinha direito a uma simbologia própria e a um palácio da justiça erguido em pedra firma e solida. A justiça também necessita de recuperar alguns dos seus símbolos próprios e identificativos, que foi perdendo pela voracidade do tempo.
Um tempo que deixou de ser seu, o tempo da justiça, passou a espaço mediático, e com isso terá que se adaptar de forma clara e sem rodeios a uma nova forma de produzir sentenças mais transparentes e concretas, no momento, sob pressão de descredibilizar-se e fazer implodir todo o sistema democrático.
JOSÉ LEANDRO LOPES SEMEDO