10.7.13

PRAÇA PÚBLICA (VII): “Arranje-me trabalho!”

 Assistimos, nos nossos dias, a um constante ataque a direitos humanos, entre os quais o direito ao trabalho que, num país democrático, julgaríamos intocáveis e indestrutíveis e que vão sendo aniquilados, em nome de chavões como “mercados”, “competitividade”, “regularização das contas públicas” e outros, que fazem abater sobre a cabeça das camadas mais frágeis da população – trabalhadores e desempregados – o cutelo do desemprego, da miséria institucionalizada e do retrocesso civilizacional.
Há um século (1913) a situação económica e social do país não era muito diferente. País agrícola, Portugal enfrentava, regularmente, as variações das condições climáticas e outras. Em Nisa, a maioria da população, pós República vivia em extremas condições de miséria. Abundavam os braços, rareavam as ofertas de trabalho, o flagelo dos expostos não via solução e estávamos longe, muito longe, de “sonhar” com os emissários do FMI e da alta finança mundial...
Perante esta situação de calamidade, o presidente da Comissão Administrativa da Câmara de Nisa, António Maria de Matos Cardoso, dirigiu-se, em carta de 21 de Agosto de 1913, ao Ministro do Trabalho e da Previdência Social, nestes termos:
"Excelência

A Comissão Administrativa do Município de Niza, vem perante Vossa Excelência, representar pedindo para que consiga do Governo da República a imediata abertura de trabalhos públicos que, de algum modo conjurar possam a angustiosa crise em que o operariado deste concelho se debate.
O terrível anno que vai correndo, tem sido sob o ponto de vista agrícola, verdadeiramente calamitoso. Quando a poeira do tempo tiver embranquecido as cabeças dos rapazes d´hoje, hão de eles recordar este fatídico 1913, como um pesadelo que lhes vincou na alma uma inolvidável amargura.
As searas apresentaram-se magnificas e assim se conservaram até que, os últimos dias de Maio, um fungo “pucimia rubigovera”, as devastou.
Havia ainda a cultura do milho. Uma última esperança bruxuleava!
Talvez, talvez que uma pequena compensação trouxesse... também falhou! Todos os sonhos de prosperidade ruíram; e os agricultores sem dinheiro, perdida também a enorme energia reduzem ao mínimo o serviço que é costume efectuar. D´hai a crise de trabalho, agravada confrangedoramente pela carestia de vida.
E a semente do sindicalismo, que no inverno passado foi lançada nos espíritos rudes dos trabalhadores ruraes, lá vae germinando, mercê d´esta circunstancia que lhe é imensamente favorável: a miséria.
A Comissão Administrativa da minha presidência comprehende muito bem a impossibilidade de o Estado remediar por completo esta situação. Mas pode atenuál-a. E uma das formas de o conseguir, consistirá em abrir trabalhos públicos.
No prosseguimento da construcção da estrada do Tejo a Amieira, encontrariam muitos braços emprego para a sua actividade, além de assim, se efectuar uma obra de incontestável utilidade publica.
Nas mãos de Vossa Excelência, depõe a Comissão Administrativa do Município de Niza, esta representação, na antecipada certeza de que não encontraria quem melhor do que Vossa Excelência faça triumphar a obra de justiça que n´ela se reclama.
Niza, 21 de Agosto de 1913
O Presidente da Comissão
António Maria de Matos Cardoso
 Era, assim, há precisamente cem anos. E, hoje, que projectos, que planos ou estratégias têm os nossos candidatos às autarquias locais para fazer face ao desemprego e criar condições para estancar a desertificação humana do concelho?
Mário Mendes