28.6.13

NO RASTO DA MEMÓRIA: Os Padres de Nisa

 Poucas vilas da categoria da nossa haverá em todo o país que tenham dado à Igreja Católica tantos e tão dignos sacerdotes.
Há 40 ou 50 anos contavam-se por muitas dezenas os clérigos que, por várias dioceses, honravam a terra natal pelo ardor do seu prosetilismo, formação espiritual e esplendor de cívicas virtudes. Era uma denodada e numerosa falange não só de operários da vinha do Senhor, como se diz em linguagem bíblica, mas ainda de itemeratos pioneiros da civilização que, nas suas paróquias, se impunha como exemplares mentores das populações confiadas ao zelo apostólico de tão dedicados pastores de almas.
Era, porém, a sua vida familiar uma das facetas de maior realce no conjunto dos altos predicados que lhes exornavam o carácter.
Na quási totalidade originários de gente humilde, geralmente filhos de artistas e até de trabalhadores rurais, logo que ascendiam ao altar, começavam a ser o amparo e arrimo dos ascendentes, irmãos, sobrinhos e outros parentes, que, à sua sombra, conseguiam valorizar-se, alçando-se – quantos deles! – às mais honrosas e eminentes culminâncias sociais.
No antigo Seminário de Portalegre os alunos de Nisa eram sempre em grande número e, com essa reserva permanente, de ano para ano ia crescendo a legião dos que, como ministros do culto, assim firmavam o alto renome dos padres da nossa terra. E este justo conceito de exemplares levitas e íntegros homens de bem cercava-os de uma auréola de respeitosa simpatia, alteando-os como figuras de primacial relevo no meio em que agiam.
Eu poderia citar, a propósito, uma infinidade de nomes desde Frei Adão Dinis, vergado ao peso de dura penitência em tempos tão distantes que deles se evola o perfume da lenda...
Teria até especial prazer, se a idade e o gravame das correlativas inerências me permitisse ainda reunir, em selecta colectânea, as virtuosas e egrégias biografias dos meus patrícios que, pelo fervor do apostolado e por seu magnânimo sentir, se podem contar entre os mais preclaros elementos do clero português. Seria, pelo tema e pelo número dos focados, um consolador florilégio em cuja leitura se comprazeria o orgulho bairrista.
Infelizmente é já tarde para o tentar!... Que outro procure fazê-lo e prestará a Nisa assinalados serviços!
Limito-me a evocar, neste breve artigo, os méritos e préstimos de quantos Deus elegeu para, como seus delegados, atraírem sobre a nossa querida terra as bênçãos celestiais.
Os padres de Nisa!... Aqui lhes rendo, sobretudo à memória dos que a morte levou, o merecido preito do meu apreço e admiração! Tantos e tão dignos! Mas, dessa corte de indefectíveis soldados de Cristo, quantos restam hoje?
Perpassam-me neste momento pela memória as cerimónias da Semana Santa de há meio século e parece-me estar vendo a Igreja Matriz com os cadeirais da capela-mor repletos de eclesiásticos, todos nossos conterrâneos, e um grupo notável de seminaristas que com a sua presença, contribuíam para maior luzimento das funções do culto.
Com o tempo tudo mudou! Dos presbíteros nisenses que, pelo número e qualidade, granjearam nomeada, apenas resta uma escassa dezena! Desses só um vive na sua terra: o antigo vigário, sr. Pe Joaquim Paralta que, apesar de octogenário, ainda cumpre, como pode, as obrigações do seu sagrado ministério. Os outros, são os últimos abencerragens da estrénua legião de apóstolos, que no extinto Seminário de Portalegre adquiriam envergadura para os grandes voos da evangelização cristã.
Vão rareando cada vez mais as fileiras dos sobreviventes.
Foi em 1943 o espírito jovial do Padre José Dinis Figueiredo, que Deus chamou para si, e foi ainda há pouco o bondosíssimo Padre João de Oliveira, cuja morte os seus paroquianos de Santo António das Areias compungidamente choraram.
Ao serviço da Igreja ficam apenas, além do referido padre Joaquim Paralta, os padres António da Graça Ribeiro e António Sambado, residentes em Portalegre; Francisco Paralta, em Elvas; Francisco Durões, em Oleiros; Manuel Carolo, Baltazar Carvalho, José Correia e Armando da Piedade, respectivamente párocos em Estremoz, Caparica, Ribeira de Nisa e Gavião.
Dos actuais Seminários da diocese, não mais se ordenou um nisense. E porquê? Porque a formação do clero e as suas responsabilidades são cada vez de maiores exigências e as autoridades competentes entendem, e muito bem, só poder arcar com elas quem para o sacerdócio tenha vocação.
Apesar de Cristo dizer: jugum meum suave est, há ombros tão débeis que, mesmo assim, não podem suportá-lo... E então, na impossibilidade de servirem como ministros de Deus, limitem-se os que Ele não chamou para tão alta dignidade, a aperfeiçoarem-se civicamente, sob as luminosas directrizes da formação moral adquirida nos Seminários. Serão assim mais úteis à Pátria e à própria religião!
Mas ainda tenho esperança de, passados alguns anos, ter o prazer de assitir à Missa Nova de um dos meus patrícios!...
E com que saudade eu relembro agora as de tantos, e em especial as dos meus condiscípulos, já todos na paz do túmulo!...
J. Figueiredo – in “Correio de Nisa” – nº 6 – 26 Agosto 1945
(Artigo publicado no "Jornal de Nisa" - nº11 - 17 Junho 1998)