28.10.12

OPINIÃO: Portugal sem crise e a Árvore da Mentira


O texto que se segue foi retirado do blog " À volta de um Portugal sem crise" e escrito por Ricardo Braz Frade. Escrita escorreita, sem peias nem ameias, e aqui, gostosamente, transcrevemos a parte respeitante ao concelho de Nisa.
De Castelo de Vide a Nisa
"Alpalhão é ali bem perto, já excluído da zona do Parque da Serra de São Mamede. É o que ainda sobra do alentejo. Tenho pena de já não poder ouvir-lhe o Descante dos Noivos que o Giacometti gravou nas suas vastas recolhas musicais que fez pelo país. Ainda por cima, sendo Sábado, seria dia provável para o ter à mão. O casamento de Alpalhão tinha uma versão alternativa. Não era como os outros. No dia em que os noivos ficavam oficialmente casados, os convidados dirigiam-se à casa onde pernoitavam, já depois do jantar, e cantavam-lhes versos de boa fortuna, primeiro à mulher, depois ao homem: era o Descante. Segundo o que li, as pessoas só davam de frosques quando ele, o recém-casado, lhes trazia carne e vinho. Seria este, portanto, o preço para a noite bem passada - grande eufemismo, este - com a mulher que desposou. Há tradições que se perdem porque não têm a carga simbólica necessária para que novas gerações lhes peguem. Outras que têm tanta força que nem a tecnologia e décadas e décadas de velocidade industrial conseguiram abater. E ainda outras que se esquecem e se relembram anos mais tarde, ressuscitando com novo folgo. Em que categoria é que o Descante dos Noivos está, não consegui perceber. Espero que fique. Mesmo mudado, que vá ficando.

Entre Alpalhão e Nisa encontrei outra pedra que fala. Foi quase por engano. Fica numa propriedade privada, com acesso proibido, e que eu interpretei de outra forma. Passei por um muro de pedras soltas e saltei por cima de um arame farpado que me rasgou a camisa e feriu a barriga. Está a cerca de trinta metros da estrada principal, do lado esquerdo de quem se dirige para norte. A rocha tem uma forma arqueada, esquisita, e é bem larga. Está disposta na vertical, e tem uma cruz de ferro no topo. Não está cartografada, nem tem placas a indicar-lhe o caminho. Desconheço-lhe o nome e desconheço sequer se ela o tem. Mas há-de carregar alguma importância pelo crucifixo que lhe cravaram em cima.

Despeço-me hoje do alentejo, em Nisa. À hora de jantar, lá irei ao queijo, que é da praxe. Vou aproveitar para respirar os últimos ares alentejanos, que aqui já têm brisas beirãs. Falando de Nisa, é bom notar que há castelos que não fogem às pessoas, ou vice-versa. Aqui, o que resta das muralhas e torres castelares dissolve-se no quotidiano. E mais que a Igreja Matriz, espevitada nas torres de telhado cónico, é a torre do relógio que se faz notar. Vejo-a daqui. À noite, se a iluminarem, fica o sítio para onde todos olham, de certeza. Ficarei atento ao mudar da hora, daqui a pouco.
Para o fim guardo uma notícia triste. A Árvore da Mentira, ícone da vila, assim chamada por lá se juntarem pares de namorados, que ali debaixo, na sua sombra, diziam as maiores mentiras de amor uns aos outros, foi cortada. Agora está envernizada, feita unidade de exposição de arte contemporânea. Dar cabo de símbolos já é mau que baste. Terminar com a vida de uma árvore que tinha o bem humorado desplante de ser conhecida pelos maus namoros que abrigava, é crime. Se havia solução para ela que não a morte, tenho um pequeno e construtivo comentário a fazer a quem se lembrou de acabar com ela: vão bardamerda.