25.4.12

À FLOR DA PELE - Talvez, Abril...

1 – MAIO, MADURO MAIO
Sei de um país onde há 30 anos se comemora de Maio o dia primeiro.
Sei de um país onde há 50 anos se lutava pela conquista da jornada de trabalho de 8 horas.
Sei de um país que teve “praças de jorna”, mercados de mão-de-obra, de gente que lutou pelo direito ao trabalho e ao pão. Gente agredida, espezinhada, presa, sufocada.
Sei de um país que teve Catarina, mas também Caravela e Casquinha, Dias Coelho, Adriano, Zeca Afonso, cantores, poetas, operários de enxadas e das minas; gente vivendo e sonhando com essa doce palavra: liberdade.
Sei de um país, de gente que descobriu mundos e fundos; desbravou caminhos e oceanos, construiu um império de quimeras.
Sei de outros países de extensas planícies e desertos, de terra vermelha, em brasa, povoada de rios e tabancas, de bolanhas e sanzalas, onde viviam pessoas, meus irmãos de pele mais escura, sentindo as grilhetas da opressão e da tirania.
Sei de outros povos meus irmãos e de irmãos que não vejo há muito: Mondlane, Neto, Samora, Amílcar, Xanana, que me ensinaram balanta, quimbundo, crioulo, maconde e a rimar unidade com liberdade, consciência com independência.
Sei de outras músicas, do Cobiana Jazz, do merengue e da coladeira, da morna e da marrabenta, ritmos de paz e de guerra, de sofrimento e revolta, de dor e esperança.
Sei de um país que em Maio prolonga Abril e que no mês das flores e das maias, das searas e das papoilas, nasce um cântico de liberdade que percorre o Gêba, o Zaire e o Rovuma, levando até Dili a brisa da libertação.
2 – LEMBRANDO O TI ANTÓNIO BRANCO
Adeus Nisa, adeus riqueza
Tens coragem e não és mole
Para tu teres tanta grandeza
Está Montalvão sem pitról
Se tinhas pouco dinheiro
Primeiro devias pensar
Por que te puseste a mandar
P´ra Montalvão mais caqueiros
De que servem os candeeiros
Sem ter uma luz acesa
Andas fugindo á despesa
De uma luz que pouco presta
Guardas as notas prá festa
Adeus Nisa, adeus riqueza.
Essas águas encanadas
Que tu tens para teu regalo
Para estares bem estou eu mal
Recebendo águas encharcadas
Quando te mando as mesadas
Com que vais pagar teu rólo
É que me queres tomar ao colo
Sem que interesses p´ra mim puxe
Andas sempre em alto luxe (o)
Tens coragem e não és mole.
 Podias ter obras mais puras
Do que aquelas que não tens
Guardas para ti todos os bens
E nós vivemos às escuras
São umas mágoas tão duras
Cá prá minha natureza
Podes ter bem a certeza
Que a poucos estás a agradar
Porque somos tantos a pagar
E só tu tens tanta grandeza.
Só tu tens lindas entradas
Em estrada máquedame
Só tu tens um Rossio de fama
Um teatro obra apurada
Uma praça para a tourada
Com lugares de sombra e sol
Eu vivendo na terra mole
Dou entrada ao meu povo
Tu andas sempre de novo
E Montalvão sem pitról.
O ti António Branco, o “Forneiro”, nasceu e morreu em Montalvão. Trabalhador do campo, forneiro, analfabeto, produziu um importante conjunto de décimas, algumas de grande beleza e que descrevem, na perfeição, o mundo campestre. Tinha uma forte consciência social e uma acutilância rara para descrever as injustiças de que a sua terra, Montalvão, era alvo.
As décimas aqui apresentadas foram passadas de boca em boca, nos anos 40 do século passado, numa época em que a repressão política e social mais se intensificou.
Voltaremos, um dia destes, ao ti António Branco.

Mário Mendes  - 25/4/2012