2.2.12

ESCRITORES DO CONCELHO (8) - Exaltação do Infante

(Renúncia do Mar)
Noite.
Noite entre mar e céu…
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Escuridão.
Naus e tormenta…
Ventos batidos,
Perdidos,
No som cavo da morte que acorrenta
As almas vis
E boas
No irremediável forte do destino…
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Tarde de Ceuta!!...
Ao longe,
Em plaga escura,
Soam gemidos
De vencidos,
Gritos
Cortados de amargura
E dor…
Há luto,
Lágrimas, Cansaço,
Escravidão,
Morte… morte!...
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A nau voga.
Regressa.
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Uiva em seu redor o vento,
Bate-a o colosso,
O mar
Que se revolve
Enfurecido e enorme…
E quer traga-la,
Comê-la,
Tê-la,
Para si,
Como alimento
Ao seu egoísmo louco
De omnipotência…
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Mas a nau voga,
Continua correndo sobre as águas,
Desejando depressa regressar…
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E, vinda de ela, se ouve uma voz
Clamar:
- Acalma-te, ó mar.
Era a voz dum jovem cavaleiro
De olhar firme
E tez morena-escura,
Do rei de Avis, o filho terceiro…
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Uma vaga bramindo de iracunda
Lhe responde
- Quem és, incógnito e louco aventureiro?..
- Quem és tu, ó doido ser que assim me falas?..
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E o moço lhe diz
Brandamente,
Abrindo os braços
Para a abraçar:
- Sou o teu senhor e amo!...
Tu és meu, ó mar…
És meu escravo,
Meu irmão,
E também meu Mestre…
Acalma-te…
Vem contar-me o teu desconhecido…
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Ao timbre desta voz o mar se estremeceu
E se amainou.
Como o da criança, convencida.
O seu falar soou:
- Pois sim, contar-to-ei… Mas só a ti.
Carlos Franco Figueiredo
(Poema publicado na Revista Alentejana - 285 - Jan. 1961)