21.12.11

ESCRITORES DO CONCELHO (4): Contos da Aldeia

O Natal e o pardal: que saudades, ai! ai!
O búzio tocou repetidas vezes. Meia hora mais tarde, na taberna do “ti Júlio”, em frente à sacristia, foi feita a contagem do pessoal e verificada a presença dos elementos-chave.
Pegámos em duas carretas de bois, mas puxadas e empurradas pela rapaziada, até ao Azinhal, em busca de duas azinheiras e um sobreiro, previamente pedidos ao dono, para o lume de Natal.
Naquela época ainda não havia moto serras. Toca a puxar pelo serrote e com machadadas desordenadas, lá fomos transformando aquelas árvores secas, em compridos toros que o lume havia de devorar.
O lume foi feito, aliás, como sempre, no pequeno largo em frente da igreja. Toda a tarde choveu e a noite previa-se ainda pior. Enquanto as mulheres e as moças em casa faziam as filhós e as azevias, era tradição - e ainda é – os rapazes nascidos no mesmo ano juntarem-se, para à volta do braseiro, assar qualquer coisa e aconchegar o estômago, pois as couves com azeite por cima, em plena juventude e com tripa de pato, já tinham ido barroca abaixo e a noite era longa.
Uma linguiça e um copo de três vinham mesmo a calhar. Na pequena taberna não se conseguia lá entrar, a chuva caía a cântaros, o lume ia-se apagando lentamente e a barriga a dar horas. Podia lá ser uma noite tão especial... Depois de um esforço hérculeo, nem lume nem petisco.
- Dê o mal para onde der, sem petisco é que não pode ser -, disse o magricela do “Espiga”.
- Ir á procura de uma galinha, ou melhor ainda, de um galo é que vinha mesmo a calhar.
- Aqui bem perto está um na oliveira da Fonte da Bica - , disse o “Mangas”.
O “Pardal” desapareceu, da taberna, voltando pouco depois com um enorme “galarous” debaixo do casaco.
Entretanto o lume tinha-se apagado por completo. Pela cabeça de todos nós passou a mesma ideia. Só faltava mais esta. E agora?
O “Galhofas” encontrou a solução: - Calma, rapaziada, na casinha semi-abandonada onde a minha mãe guarda as velharias, talvez a gente se desenrasque.
Excelente ideia, aprovada por unanimidade. Lá fomos mais ligeiros que um sargento de infantaria.
Mas um galo assado, mesmo grande como era aquele, para tanta malta, com dezassete anos e cheios de apetite, não chegava, só se o fizéssemos guisado e assim já chegaria.
- Essa é boa – disse um. A trempe, caçarola, lenha, batatas, cebolas, louro e alhos há aqui, mas o azeite, a estas horas da noite?
- Desse assunto trato eu, disse o “Pardal”, convictamente. Passado pouco tempo apareceu o bom do “Pardal”com uma almotolia quase cheia. Foi o delírio.
Já com a barriguinha cheia o “Clarinete” perguntou ao “Pardal”:
- Onde diabo foste tu arranjar o azeite que tinha um gosto esquisito?
- À igreja.
- Não tens raça de vergonha! Roubar a igreja, vejam bem.
- Estás enganado, não roubei nada. Com o lume de Natal apagado, vi que dentro da igreja havia uma luz muita fraquinha, quase a apagar-se. Resolvi entrar e pôr mais azeite nas lamparinas, para que os santos ficassem alumiados toda a noite. O S. Simão até sorriu e a Nossa Senhora de Fátima, com o seu bondoso olhar, autorizou-me a trazer o resto, mas eu prometi-lhes que a minha avó amanhã manda repor o que se gastar hoje. Afinal não é ela que lá põe o azeite durante todo o ano? E este sempre foi bom ser gasto, pois já tem alguns anos.
Entretanto, deixou de chover, a noite tornou-se mais acolhedora, cada um foi à procura do “vale de lençóis” já a pensar no baile, à noite, no salão do “ti Reizinho”.
José Hilário – Pinceladas de Poesia e Contos da Aldeia